sexta-feira, 27 de maio de 2016

Carta de um Professor a Seus Alunos Sobre Cultura do Estupro

Guilherme Cunha




Em meio à chocante notícia sobre o estupro coletivo de uma jovem na Praça Seca, Rio de Janeiro, o professor universitário Rodrigo Salgado decidiu escrever uma carta aberta a seus alunos, homens e heterossexuais, para falar de um tema que que muitos se recusam a encarar: a cultura do estupro.

Leia abaixo:

Mensagem aos meus alunos

Passei o dia todo pensando se deveria ser mais um cara a escrever sobre o estupro da menina no RJ. Me senti contemplado por muitos dos textos que circularam por aqui hoje. Mas acho que meu emprego como professor e o fato de ser um novo pai me obrigam, dentro do meu lugar de fala, a me manifestar.

Acho que a primeira coisa aqui é deixar claro que esta mensagem se destina aos meus alunos homens heterossexuais. É neste grupo que me insiro, e mais. Este é o perfil do estuprador. Nós. Homens heteros.

E sim, são homens. Não, não são monstros. Somos nós. Dizem que eram traficantes. Importa? Nunca importou. Atores, empresários, advogados, juízes, jogadores. A ocupação varia, mas o ato não. São homens.

E aqui está o primeiro recado. Via de regra, as únicas qualificações aplicáveis nos casos de estupro são: "homem, heterossexual." Retire todos os adjetivos: monstro, desumano, loucos, bandidos. Eles só servem para esconder o principal: o privilégio de violentar outro ser humano e sair impune. O privilégio de destruir a vida de uma pessoa (ou as vidas de uma família) e seguir em frente.

Assim, queridos alunos, enxerguem-se entre os 30 estupradores. Esse é o primeiro passo.




O segundo recado: é preciso mudar.

Aquela música que diz que a sua caloura é um tesouro, a outra que diz que determinada menina só transa de luz acesa. Aquele puxão de braço na balada. Aquele constrangimento físico para um beijo. Estão todos no mesmo pacote. Tudo está dentro da cultura do estupro. Da diminuição da mulher enquanto ser humano. E é importante que você entenda isso. De verdade.

O terceiro recado: chega de conivência. Se você se sente deslocado com uma colocação que premie a cultura do estupro, se posicione. Aliás, antes disso: aprenda a se incomodar. Na faculdade, no trabalho, na igreja, na balada. Na vida.

O quarto: não participar da cultura do estupro não te faz melhor. O homem que não faz isso apenas cumpre o mínimo que se espera de um ser humano. Não há sexo frágil ou hipossuficiência feminina.

Outro toque importante: escute. Você jamais será estuprado. Não é a vítima potencial da cultura do estupro. Então respeite. Escute. E reflita.

 E de novo. Lembrem-se que isso é o mínimo que se espera de vocês.



Imagens: Matheus Ribbs.