Em tempos em que o racismo esta sendo comentado
constantemente por conta de casos no futebol, a ouvidoria da Secretaria Especial
da Promoção da Igualdade Racial (Seppir) recebe cada vez mais denúncias de
racismo na nova série de Miguel Falabella, "Sexo e as Negas". Até no
Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) foi realizada uma queixa
contra o programa. O que causa estranheza é o fato de sequer o programa ter estreado,
o que só ocorrerá na terça-feira (16). Inspirada na série americana de sucesso
mundial "Sexy and City", "Sexo e as Negas" sofre com uma campanha
na internet de boicote. Diversas organizações do movimento negro e de mulheres
se manifestam contra o seriado. O autor tem usado as redes sociais para rebater
as críticas. Abaixo, um texto de Miguel Falabella sobre a questão do
suposto racismo envolvendo a série:
"Eu
não gosto de polemizar, porque geralmente estou seguro daquilo que faço, mas às
vezes o silêncio pode se voltar contra nós. Está havendo uma polêmica,
aparentemente, sobre Sexo e as Negas. Vamos a ela, então! Comecemos com a
gênese do programa: Estávamos nós, há alguns anos, numa feijoada, na Cidade
Alta de Cordovil. Karin Hils estava comigo. E havia uma negra maravilhosa,
montada, curvilínea e muito sexy, que me disse que cada vez que botava cabelo,
dormia três dias "no pique-esconde" (eu usei isso em Pé na Cova).
Daí, já não me lembro mais porquê, a conversa descambou e acabamos em Sex and
the City, porque algumas pessoas da festa eram fãs do programa. Eu disse:
"A gente bem que podia fazer um "Sex and the City" aqui na
Cidade Alta... "Sexo e as Negas" gritou a negra deslumbrante,
substituindo o S do artigo pelo R, como é usual no falar carioca. Todo mundo
teve um acesso de riso e eu fiquei com aquilo na cabeça.
Estou
nessa profissão há muitos anos. Não consigo confessar quantos. Tenho feito
grandes amigos, tenho construído laços de afeto e respeito e costumo
estabelecer com aqueles que trabalham comigo, laços de amor. Portanto, dói-me
ver a luta de meus colegas negros na nossa profissão. As oportunidades são
reduzidas, não trabalham sempre e, sem exercício, não há aprendizado, como
sabemos. Pensei que aquela ideia, surgida numa feijoada, na Cidade Alta de
Cordovil, pudesse ser um programa que refletisse um pouco a dura vida daquelas
pessoas, além de empregar e trazer para o protagonismo mais atores negros.
Basicamente, foi essa a ideia e nem achei que iriam aceitar o programa.
Qual é o
problema, afinal? É o sexo? São as negas? As negas, volto a explicar, é uma
questão de prosódia. Os bahianos arrastam a língua e dizem meu nego, os
cariocas arrastam a língua e devoram os S. Se é o sexo, por que as americanas
brancas têm direito ao sexo e as negras não? Que caretice é essa? O problema é
porque elas são de comunidade? Alguém pode imaginar Spike Lee dirigindo seus
filmes fora do seu universo? Que bobagem é essa? Pois é justamente sobre isso
que a série quer falar! Sobre guetos, sobre cotas, sobre mitos! Destrinchá-los
na medida do possível! Os mitos e lendas que nos são enfiados goela abaixo a
vida toda. Da negra fogosa, do negro de pau grande, das mazelas que os anos de
colônia extrativista e escravocrata deixaram crescer entre nós. Como é que saem
por aí pedindo boicote ao programa, como os antigos capitães do mato que perseguiam
seus irmãos fugidos? O negro mais uma vez volta as costas ao negro. Que espécie
de pensamento é esse? Não sei o que é mais assustador. Se o pré-julgamento ou
se a falta de humor. Ambos são graves de qualquer maneira. Como é que se tem a
pachorra de falar de preconceito, quando pré-julgam e formam imediatamente um
conceito rancoroso sobre algo que sequer viram?
Sexo e as
Negas não tem nada de preconceito. Fala da luta de quatro mulheres que sonham,
que buscam um amor ideal. Elas podiam ser médicas e morar em Ipanema, mas não é
esse meu universo na essência, como autor. Não sou Ipanemense. Sou suburbano,
cresci com a malandragem nos ouvidos. Portanto, as minhas personagens são
camareiras, cozinheiras, indicadoras de mesas, operárias. E desde quando isso
diminui alguém? São negras, são pobres, mas cheias de fantasia e de amor. São
lúdicas! E sobrevivem graças ao humor. Seres humanos. Reais. Com direito a uma
vida digna e muito... Mas MUITO sexo! Vai dizer agora que eu sou racista? Ah!
Nega...Dá um tempo... Dito isso, faço como Truman Capote: never complain e
never explain! (Nunca reclame e nunca explique)"