Foto: Del Rei |
Em
um mundo onde a cultura tem se tornado o de menos, a divulgarmos se transforma
em algo revolucionário. Independente se ela se encaixa em uma ou outra
denominação, classifica-la nunca foi importante, mas sim senti-la e mostrá-la.
Muito além desses muros que nos cercam todos os dias, que possamos dar significado
a ela e de vez criarmos morada, um novo teto a renovação de valores e de
respeito principalmente.
Hoje,
quem veio dar voz a cultura é Rommel Cerqueira, ou Nino Vergal, como queira. Professor,
com Mestrado em Processos Artísticos e Contemporâneos e vocalista na banda Qu4rto
Teto, Vergal fala um pouco de sua opinião sobre as questões da cena
independente, criação de novos paradigmas culturais, além de seu próprio
trabalho.
Sente-se e
acompanhe a entrevista tomando um bom café:
Pra você hoje,
quem é Nino Vergal?
Nino Vergal surgiu como uma ideia e não
necessariamente uma pessoa. Foi uma forma que eu encontrei para aglutinar todo
o meu fazer artístico dentro de um conceito de autoria. Essa ideia me permite
tanto um trânsito livre por formatos de expressão, como trocas e contaminações
irrestritas com meus pares artísticos. Nino Vergal é na verdade uma legião de
indivíduos e possibilidades.
Com base na sua
experiência de Mestrado em Processos Artísticos Contemporâneos, integrante da
banda de rock Qu4rto Teto e professor, qual seria melhor definição da palavra
“cultura”?
Acredito que palavra "cultura" é
uma palavra bastante abrangente em termos de alcance de significado e em termos
de exemplos práticos. No fundo, essa palavra abriga a pluralidade já em sua
gênese, se pensarmos que sua definição pode se basear na noção de práticas
compartilhadas em grupo. Dentro desse prisma, o leque de possibilidades e
exemplos pro que chamamos "cultura" é vastíssimo, mesmo que
socialmente (e dentro de uma ideia de uma estrutura do capital) possamos
assistir tentativas de direcionamento dicotômico sobre boa e má cultura - não
só por um quesito de mercantilização como também por um viés de construção
ideológica de comportamento, que busca ser majoritário e, consequentemente,
controlador.
Contudo, essa palavra (e tudo o que ela
representa) sobrevive escapando de tais tentativas claustrofóbicas, pois sua
conceituação vem do campo prático - e não teórico -, e nesse território a
produção de significados, costumes e comportamentos é um animal selvagem e
liberto.
Com a
transformação do Ministério da Cultura em Secretaria, como enxerga o futuro do
cenário cultural, principalmente em relação a programas de incentivo?
Acho que vivemos hoje em dia um grande
problema retórico. Somos uma sociedade integralmente vinculada e viciada em
palavras, títulos e designações. Temos extrema dificuldade de conviver com
mudanças. Somos eternamente desconfiados, em virtude do nosso próprio passado
como nação.
A grande questão não envolve unicamente a
transformação ou não do Ministério da Cultura em Secretaria. Envolve saber se a
nova gestão governamental será honrada o suficiente em cumprir compromissos já
adquiridos no setor artístico e educacional e se continuará estimulando o
desenvolvimento desses setores.
Temos uma enorme dificuldade, nesse país, de enxergar o caminho artístico como um possível e real caminho profissional, como acontece em tantas outras áreas de saber.
Temos uma enorme dificuldade, nesse país, de enxergar o caminho artístico como um possível e real caminho profissional, como acontece em tantas outras áreas de saber.
Ainda perdura uma visão extremamente
positivista que mede o valor de uma área por produtos palpáveis e concretos -
isso inclusive contribui muito para uma mudança de perspectiva na produção de
arte, calcada muitas das vezes em monetarização, em detrimento do seu próprio
fazer.
É preciso ter em mente que o real produto de
uma construção artística escapa à apreensão. As entrelinhas poéticas de um
trabalho inoculam pensamentos e fomentam ações práticas de dentro para fora de
cada indivíduo, como um vírus. E é desse vírus que, no caso brasileiro, os
governantes tem receio.
Lamento por isso.
Um amigo certa vez me disse que não existe
país subdesenvolvido. O que existe é país sub-gerenciado.
Somos um potente país sub-gerenciado.
Espero que a mudança do Ministério da Cultura
para Secretaria seja só mais um problema puramente retórico. Mas no fundo do
meu peito... temo que não seja e isso me preocupa bastante.
Por outro lado, fico me perguntando também sobre a idoneidade de certas seleções e certos editais públicos. Sobre parcerias duvidosas. Sobre alianças escusas. Sobre mudanças que ocorrem da noite pro dia. Tanto no Mainstream como no independente.
Por outro lado, fico me perguntando também sobre a idoneidade de certas seleções e certos editais públicos. Sobre parcerias duvidosas. Sobre alianças escusas. Sobre mudanças que ocorrem da noite pro dia. Tanto no Mainstream como no independente.
E me pergunto se a coisa anda sendo conduzida
com o mesmo nível de honestidade como a que exigimos da classe política.
Ficaríamos horas divagando sobre esse
assunto... (risos)
Foto: Vidal Vidal |
Na sua opinião,
o que é boa música hoje no Brasil?
Acho que essa é a pergunta mais difícil de
todas. (risos)
Digo isso porque tenho minhas preferências
musicais, mas não posso me basear unicamente nelas para responder a essa
pergunta.
John Cage disse certa vez que o que existe é a música. Ser boa ou ruim é só um adjetivo que proferimos baseados em nossa vivência particular. É uma pré-concepção.
John Cage disse certa vez que o que existe é a música. Ser boa ou ruim é só um adjetivo que proferimos baseados em nossa vivência particular. É uma pré-concepção.
A análise de uma música envolve para mim,
saber os intuitos e os conceitos pensados pelo seu autor. Qual era a intenção?
Qual era a questão?
E isso serve tanto para a letra como para a harmonia.
E isso serve tanto para a letra como para a harmonia.
O erro mais comum que percebo é a tentativa
de analisar todas as possibilidades musicais sobre um parâmetro único e
generalista de olhar.
Para mim, importa mais saber se há verdade
num trabalho. Se essa verdade é um questionamento ou problematização real do
artista a partir de sua ótica de mundo.
Importa se há conceito ou tentativas
artísticas de desenvolvimento estético e conteudístico do trabalho.
Mas objetivamente, se há um caminho possível
para músicos e para a própria música que eu não aprecio, é justamente quando a
canção é excessivamente plastificada e rasa... É quando características
essenciais de estilos passados são destituídas de seus conceitos geradores para
se tornar simplesmente um modismo esvaziado.
Só embalagem. Sem conteúdo.
Por isso reentrar na moda é sempre algo menor do que a primeira aparição.
Por isso reentrar na moda é sempre algo menor do que a primeira aparição.
Pois não tem a motivação política de ser o
que se é.
Como enxerga,
diante do turbilhão de acontecimentos políticos e econômicos, o posicionamento
cultural na sociedade?
De certa forma, acho bonito que estejamos num
tempo onde cada indivíduo tenha espaço para expressar sua própria opinião. Sei
que existem problemas quanto a isso, mas não podemos negar que ao menos hoje há
espaço para a fala.
E vejo que os artistas, assim como todos
aqueles ligados aos mais diversos setores da arte, não estão hesitando em expor
suas impressões.
Acho importantíssimo esse movimento.
Acho que toda opinião é política, pois se
trata de uma opinião individual dentro de um recorte temporal e de sociedade.
Não falo de política enquanto partidarismo.
Acho que a arte tem esse compromisso
implícito ao seu fazer, e dessa forma todo trabalho artístico é um trabalho
político também.
Contudo não podemos esquecer de conceder uma
audição gentil mesmo à falas que contradizem às nossas. Do contrário estaríamos
substituindo uma autocracia da fala por outra.
Veja bem: não estou dizendo que não devemos
ser combativos.
Só estou dizendo que ser combativo não é o mesmo que ser agressivo e opressor.
Precisamos estar atentos para não nos tornarmos um espelho daquilo que criticamos.
Só estou dizendo que ser combativo não é o mesmo que ser agressivo e opressor.
Precisamos estar atentos para não nos tornarmos um espelho daquilo que criticamos.
Foto: Emilia Alcoforado |
Muitas
composições brasileiras, hoje em dia, são criticadas por falta de letra,
conteúdo ou musicalidade. Concorda com essas afirmações? Se sim, o que estaria
faltando: letra ou alma?
Não acho que estejamos passando por esse
problema não. Mas digo isso com uma vivência ativa no circuito independente.
Acho sim que o mainstream anda apresentando uma certa falência artística e um
certo esvaziamento, mas isso não autoriza a pensar em uma generalização brutal.
Acho que o que falta é espaço de visibilidade
idôneo para que muita gente boa possa expor seus trabalhos. Acho que falta nos
permitirmos a renovação.
Com esse movimento, garanto que iremos
descobrir grandes músicos e letristas geniais.
Como integrante
da Qu4rto Teto, como descreve o sentimento da banda com a participação da
música de vocês na Rádio Cidade?
É sempre uma sensação mágica poder vivenciar
a expansão dos alcances do nosso trabalho. Poder experimentar essa exposição do
resultado de um árduo fazer artístico.
Naquele momento a gente reflete sobre todo o processo que tornou o trabalho possível e o peito bate suave e tranquilo.
Mesmo porque se trata de uma rádio referência para a nossa cena rock. Uma plataforma indispensável para a apresentação e circulação dos trabalhos.
Naquele momento a gente reflete sobre todo o processo que tornou o trabalho possível e o peito bate suave e tranquilo.
Mesmo porque se trata de uma rádio referência para a nossa cena rock. Uma plataforma indispensável para a apresentação e circulação dos trabalhos.
Felicidade é um sentimento maior que a
própria palavra.
Quais são as principais inspirações na hora de compor?
No que se refere à harmonia, temos uma preocupação estética muito grande. Pensamos sempre em como vai soar cada passagem e cada combinação.
Considerando que as referências de cada integrante são as mais diversas, nosso processo de composição termina sendo muito aberto e intercambiado entre as opiniões de cada integrante.
As ideias de cada um são trabalhadas livremente por todos. Não há um norteamento vertical. Existe de fato horizontalidade.
Com relação à letra, somada à preocupação estética, há uma pesquisa cotidiana. Acho que nossas canções ora são simbolistas, ao sugerir pela combinação de palavras, a criação de paisagens visuais; ora são crônicas das nossas vivências - comentários desde que coisas íntimas até percepções gerais sobre circunstâncias da vida e do mundo.
As ideias de cada um são trabalhadas livremente por todos. Não há um norteamento vertical. Existe de fato horizontalidade.
Com relação à letra, somada à preocupação estética, há uma pesquisa cotidiana. Acho que nossas canções ora são simbolistas, ao sugerir pela combinação de palavras, a criação de paisagens visuais; ora são crônicas das nossas vivências - comentários desde que coisas íntimas até percepções gerais sobre circunstâncias da vida e do mundo.
Participaram do
Rock in Real. Explica um pouco do que é o evento.
Tivemos o prazer de participar de um evento
maravilhoso conduzido por nossos camaradas da banda Balba.
O evento ocorre num espaço icônico na Tijuca,
o Teatro Ziembinski, e o objetivo é se apresentar como mais um lindo espaço de
exposição dos trabalhos das bandas da cena carioca de rock independente.
Junto a isso, a cada edição, há também
exposições fotográficas, acrobacias aéreas durante as apresentações, ou seja,
mais um polo cultural disponível ao público carioca.
A estrutura é impecável, assim como o
trabalho desenvolvido pela galera da produção!
Como classifica
o som atual da banda?
Rock.Em transformação. (risos)
Mas Rock.
O que gostaria
de falar ao público?
Gostaria de agradecer o espaço, a oportunidade e dizer que duas coisas
tornam a arte possível: o artista e o público. Mas nessa relação o público é
peça fundamental.
Então, permitam abrir suas percepções para novas produções artísticas,
para novos pensamentos, para novas reflexões.
A internet possibilita uma estrada quase infinita de novos encontros artísticos! Vasculhem ela! De ponta a ponta!
Não só isso...
Compareçam aos shows, aos espetáculos, às exposições, tanto nos espaços púbicos como nos espaços privados.
O único caminho possível para mudanças reais, para nós enquanto indivíduos, e para a sociedade enquanto coletivo, é uma revolução íntima. Precisamos mudar por dentro. Nossas perspectivas, nossas relações com as perspectivas alheias... Nossa relação com o mundo. Do micro ao macro.
A internet possibilita uma estrada quase infinita de novos encontros artísticos! Vasculhem ela! De ponta a ponta!
Não só isso...
Compareçam aos shows, aos espetáculos, às exposições, tanto nos espaços púbicos como nos espaços privados.
O único caminho possível para mudanças reais, para nós enquanto indivíduos, e para a sociedade enquanto coletivo, é uma revolução íntima. Precisamos mudar por dentro. Nossas perspectivas, nossas relações com as perspectivas alheias... Nossa relação com o mundo. Do micro ao macro.
Estamos em tempos de mudança. E mais do que nunca é preciso estar
atento, forte e juntos.
Curtiu a
entrevista com o Nino? Acompanhe ele e a Qu4rto Teto nos links abaixo:
Facebooks:Nino Vergal