sábado, 25 de junho de 2016

Dê um novo teto à cultura


Foto: Del Rei


Em um mundo onde a cultura tem se tornado o de menos, a divulgarmos se transforma em algo revolucionário. Independente se ela se encaixa em uma ou outra denominação, classifica-la nunca foi importante, mas sim senti-la e mostrá-la. Muito além desses muros que nos cercam todos os dias, que possamos dar significado a ela e de vez criarmos morada, um novo teto a renovação de valores e de respeito principalmente.
Hoje, quem veio dar voz a cultura é Rommel Cerqueira, ou Nino Vergal, como queira. Professor, com Mestrado em Processos Artísticos e Contemporâneos e vocalista na banda Qu4rto Teto, Vergal fala um pouco de sua opinião sobre as questões da cena independente, criação de novos paradigmas culturais, além de seu próprio trabalho.    


Sente-se e acompanhe a entrevista tomando um bom café:

Pra você hoje, quem é Nino Vergal?
Nino Vergal surgiu como uma ideia e não necessariamente uma pessoa. Foi uma forma que eu encontrei para aglutinar todo o meu fazer artístico dentro de um conceito de autoria. Essa ideia me permite tanto um trânsito livre por formatos de expressão, como trocas e contaminações irrestritas com meus pares artísticos. Nino Vergal é na verdade uma legião de indivíduos e possibilidades.

Com base na sua experiência de Mestrado em Processos Artísticos Contemporâneos, integrante da banda de rock Qu4rto Teto e professor, qual seria melhor definição da palavra “cultura”?
Acredito que palavra "cultura" é uma palavra bastante abrangente em termos de alcance de significado e em termos de exemplos práticos. No fundo, essa palavra abriga a pluralidade já em sua gênese, se pensarmos que sua definição pode se basear na noção de práticas compartilhadas em grupo. Dentro desse prisma, o leque de possibilidades e exemplos pro que chamamos "cultura" é vastíssimo, mesmo que socialmente (e dentro de uma ideia de uma estrutura do capital) possamos assistir tentativas de direcionamento dicotômico sobre boa e má cultura - não só por um quesito de mercantilização como também por um viés de construção ideológica de comportamento, que busca ser majoritário e, consequentemente, controlador.
Contudo, essa palavra (e tudo o que ela representa) sobrevive escapando de tais tentativas claustrofóbicas, pois sua conceituação vem do campo prático - e não teórico -, e nesse território a produção de significados, costumes e comportamentos é um animal selvagem e liberto.

Com a transformação do Ministério da Cultura em Secretaria, como enxerga o futuro do cenário cultural, principalmente em relação a programas de incentivo?
Acho que vivemos hoje em dia um grande problema retórico. Somos uma sociedade integralmente vinculada e viciada em palavras, títulos e designações. Temos extrema dificuldade de conviver com mudanças. Somos eternamente desconfiados, em virtude do nosso próprio passado como nação.
A grande questão não envolve unicamente a transformação ou não do Ministério da Cultura em Secretaria. Envolve saber se a nova gestão governamental será honrada o suficiente em cumprir compromissos já adquiridos no setor artístico e educacional e se continuará estimulando o desenvolvimento desses setores.
Temos uma enorme dificuldade, nesse país, de enxergar o caminho artístico como um possível e real caminho profissional, como acontece em tantas outras áreas de saber.
Ainda perdura uma visão extremamente positivista que mede o valor de uma área por produtos palpáveis e concretos - isso inclusive contribui muito para uma mudança de perspectiva na produção de arte, calcada muitas das vezes em monetarização, em detrimento do seu próprio fazer.
É preciso ter em mente que o real produto de uma construção artística escapa à apreensão. As entrelinhas poéticas de um trabalho inoculam pensamentos e fomentam ações práticas de dentro para fora de cada indivíduo, como um vírus. E é desse vírus que, no caso brasileiro, os governantes tem receio.
Lamento por isso.
Um amigo certa vez me disse que não existe país subdesenvolvido. O que existe é país sub-gerenciado.
Somos um potente país sub-gerenciado.
Espero que a mudança do Ministério da Cultura para Secretaria seja só mais um problema puramente retórico. Mas no fundo do meu peito... temo que não seja e isso me preocupa bastante.

Por outro lado, fico me perguntando também sobre a idoneidade de certas seleções e certos editais públicos. Sobre parcerias duvidosas. Sobre alianças escusas. Sobre mudanças que ocorrem da noite pro dia. Tanto no Mainstream como no independente.
E me pergunto se a coisa anda sendo conduzida com o mesmo nível de honestidade como a que exigimos da classe política.
Ficaríamos horas divagando sobre esse assunto... (risos)



Foto: Vidal Vidal



Na sua opinião, o que é boa música hoje no Brasil?

Acho que essa é a pergunta mais difícil de todas. (risos)
Digo isso porque tenho minhas preferências musicais, mas não posso me basear unicamente nelas para responder a essa pergunta.
John Cage disse certa vez que o que existe é a música. Ser boa ou ruim é só um adjetivo que proferimos baseados em nossa vivência particular. É uma pré-concepção.
A análise de uma música envolve para mim, saber os intuitos e os conceitos pensados pelo seu autor. Qual era a intenção? Qual era a questão?
E isso serve tanto para a letra como para a harmonia.

O erro mais comum que percebo é a tentativa de analisar todas as possibilidades musicais sobre um parâmetro único e generalista de olhar.
Para mim, importa mais saber se há verdade num trabalho. Se essa verdade é um questionamento ou problematização real do artista a partir de sua ótica de mundo.
Importa se há conceito ou tentativas artísticas de desenvolvimento estético e conteudístico do trabalho.
Mas objetivamente, se há um caminho possível para músicos e para a própria música que eu não aprecio, é justamente quando a canção é excessivamente plastificada e rasa... É quando características essenciais de estilos passados são destituídas de seus conceitos geradores para se tornar simplesmente um modismo esvaziado.
Só embalagem. Sem conteúdo.
Por isso reentrar na moda é sempre algo menor do que a primeira aparição.
Pois não tem a motivação política de ser o que se é.

Como enxerga, diante do turbilhão de acontecimentos políticos e econômicos, o posicionamento cultural na sociedade?
 
De certa forma, acho bonito que estejamos num tempo onde cada indivíduo tenha espaço para expressar sua própria opinião. Sei que existem problemas quanto a isso, mas não podemos negar que ao menos hoje há espaço para a fala.
E vejo que os artistas, assim como todos aqueles ligados aos mais diversos setores da arte, não estão hesitando em expor suas impressões.
Acho importantíssimo esse movimento.
Acho que toda opinião é política, pois se trata de uma opinião individual dentro de um recorte temporal e de sociedade.
Não falo de política enquanto partidarismo.
Acho que a arte tem esse compromisso implícito ao seu fazer, e dessa forma todo trabalho artístico é um trabalho político também.
Contudo não podemos esquecer de conceder uma audição gentil mesmo à falas que contradizem às nossas. Do contrário estaríamos substituindo uma autocracia da fala por outra.
Veja bem: não estou dizendo que não devemos ser combativos.
Só estou dizendo que ser combativo não é o mesmo que ser agressivo e opressor.
Precisamos estar atentos para não nos tornarmos um espelho daquilo que criticamos.

Foto: Emilia Alcoforado


Muitas composições brasileiras, hoje em dia, são criticadas por falta de letra, conteúdo ou musicalidade. Concorda com essas afirmações? Se sim, o que estaria faltando: letra ou alma?

Não acho que estejamos passando por esse problema não. Mas digo isso com uma vivência ativa no circuito independente. Acho sim que o mainstream anda apresentando uma certa falência artística e um certo esvaziamento, mas isso não autoriza a pensar em uma generalização brutal.

Acho que o que falta é espaço de visibilidade idôneo para que muita gente boa possa expor seus trabalhos. Acho que falta nos permitirmos a renovação.
Com esse movimento, garanto que iremos descobrir grandes músicos e letristas geniais.

Como integrante da Qu4rto Teto, como descreve o sentimento da banda com a participação da música de vocês na Rádio Cidade?

É sempre uma sensação mágica poder vivenciar a expansão dos alcances do nosso trabalho. Poder experimentar essa exposição do resultado de um árduo fazer artístico.
Naquele momento a gente reflete sobre todo o processo que tornou o trabalho possível e o peito bate suave e tranquilo.
Mesmo porque se trata de uma rádio referência para a nossa cena rock. Uma plataforma indispensável para a apresentação e circulação dos trabalhos.
Felicidade é um sentimento maior que a própria palavra.

Quais são as principais inspirações na hora de compor?

No que se refere à harmonia, temos uma preocupação estética muito grande. Pensamos sempre em como vai soar cada passagem e cada combinação.
Considerando que as referências de cada integrante são as mais diversas, nosso processo de composição termina sendo muito aberto e intercambiado entre as opiniões de cada integrante.
As ideias de cada um são trabalhadas livremente por todos. Não há um norteamento vertical. Existe de fato horizontalidade.

Com relação à letra, somada à preocupação estética, há uma pesquisa cotidiana. Acho que nossas canções ora são simbolistas, ao sugerir pela combinação de palavras, a criação de paisagens visuais; ora são crônicas das nossas vivências - comentários desde que coisas íntimas até percepções gerais sobre circunstâncias da vida e do mundo.



Participaram do Rock in Real. Explica um pouco do que é o evento. 

Tivemos o prazer de participar de um evento maravilhoso conduzido por nossos camaradas da banda Balba.
O evento ocorre num espaço icônico na Tijuca, o Teatro Ziembinski, e o objetivo é se apresentar como mais um lindo espaço de exposição dos trabalhos das bandas da cena carioca de rock independente.
Junto a isso, a cada edição, há também exposições fotográficas, acrobacias aéreas durante as apresentações, ou seja, mais um polo cultural disponível ao público carioca.
A estrutura é impecável, assim como o trabalho desenvolvido pela galera da produção!

Como classifica o som atual da banda?

Rock.Em transformação. (risos)
Mas Rock.

O que gostaria de falar ao público?
Gostaria de agradecer o espaço, a oportunidade e dizer que duas coisas tornam a arte possível: o artista e o público. Mas nessa relação o público é peça fundamental.
Então, permitam abrir suas percepções para novas produções artísticas, para novos pensamentos, para novas reflexões.
A internet possibilita uma estrada quase infinita de novos encontros artísticos! Vasculhem ela! De ponta a ponta!

Não só isso...
Compareçam aos shows, aos espetáculos, às exposições, tanto nos espaços púbicos como nos espaços privados.
O único caminho possível para mudanças reais, para nós enquanto indivíduos, e para a sociedade enquanto coletivo, é uma revolução íntima. Precisamos mudar por dentro. Nossas perspectivas, nossas relações com as perspectivas alheias... Nossa relação com o mundo. Do micro ao macro.
Estamos em tempos de mudança. E mais do que nunca é preciso estar atento, forte e juntos.

Curtiu a entrevista com o Nino? Acompanhe ele e a Qu4rto Teto nos links abaixo:

Facebooks:Nino Vergal
                   Qu4rto Teto