03/09/2015
O que vem a sua cabeça
quando mencionamos o Pole Dance? Para muitas pessoas, certamente, termos e
expressões pejorativas e uma ideia equivocada dos praticantes. Para uma
parcela, existe até uma tolerância quanto à vertente fitness, que é tida como
uma prática de esporte, então, aceitável. Mas, e quando o objetivo é a arte em
si, a dança, a sensualidade (confundida erroneamente com erotização)? Aí o desafio é ainda maior, pois até mesmo
dentro do universo do Pole Dance, encontramos preconceitos, rixas e separações.
A prática mais sensual é duramente criticada até por quem o utiliza para fins
meramente estéticos.
Em meio a inúmeros
desafios já existentes, eis que surge um grupo com uma proposta ainda mais
ousada, e porque não dizermos, revolucionária, o projeto POLE NERDS. Criado em
2013, já chega quebrando vários paradigmas e pré-conceitos, questionando essa
separação entre o fitness e a arte, incluindo homens, homossexuais e trans em
uma prática que, em geral, é vista como “coisa de mulher”, fazendo ensaios temáticos, trabalhando na
autoestima dos indivíduos, desconstruindo idearios depreciativos em torno da
prática, e outras várias ações.
Tive muito prazer em
conhecer mais a fundo este projeto, e os integrantes, através de suas histórias de luta
contra preconceitos, suas buscas por autoafirmação e como, unanimamente, a
prática Pole Dance atuou como um agente libertador e de transformação na vida
de cada um. Segue nosso
bate-papo, carregado de emoções, incentivos e detalhes
para entendermos melhor esse contexto. Que tal colocarmos na gaveta, por alguns
minutos, nossos achismos e julgamentos , e “ouvir” o que a galera tem a
dizer? Garanto que valerá a pena.
Primeiramente queria, além de agradecer a
participação de vocês, parabenizar pelo projeto e pedir que expliquem ao nosso
público, afinal, como e quando surgiu o Projeto Pole Nerds e o que ele
representa?
Toda a equipe Pole Nerds
se sente muito grata pela oportunidade de participar de uma grande mídia como é
o Manifesto, é muito gratificante estar aqui contando um pouco da nossa
história, então, nós que agradecemos imensamente!
Addara Macedo: A ideia de um movimento no pole dance surgiu
da necessidade de juntar dois amores que era o cosplay e a dança para enfrentar
o preconceito passado diariamente por desconhecidos, amigos e, por vezes, até
familiares. Mostrar que o pole dance poderia ser algo divertido para homens e
mulheres sem a menor distinção. Em 12 de Junho de 2013 surgiu as pole nerds,
uma ideia, uma página no facebook para atuar na representatividade de um modo
divertido, que chamasse a atenção, mas sem ser agressivo.
Notamos com o passar
do tempo que o preconceito não era uma exclusividade das mulheres. Junto com o
machismo, havia muito de gordofobia, homofobia, transfobia. Se você é mulher
você tem problemas, se for homem e hétero é taxado, se for homossexual homem ou
mulher também não pode dançar, se for criança, outras mães criticarão a atitude
da mãe da criança de matriculá-la nas aulas... Há também um outro ponto que não
podemos deixar de citar: no Brasil ainda encontramos escolas de pole dance
fitness que não concordam com o pole dance como dança, que julgam o salto alto
e o rebolado, então onde temos liberdade?!
Nosso grupo tenta
atuar na representatividade para todos. Tratamos com humor e verdade questões
do dia a dia nas aulas, fora delas e fazemos ensaios fotográficos e vídeos de
temas nerds no pole dance. Diariamente recebemos mensagens inbox falando o
quanto desmistificamos algumas ideias, agradecimentos por inspiração e também
passamos endereços de escolas em todo país para aqueles que não sabem onde
encontrar uma academia de dança ou trabalho com o pole dance. Hoje temos dois
ensaios fotográficos que tiveram um bom destaque na mídia, um com o tema Star
Wars e um com a série Game of Thrones. Tudo com muita criatividade, temos Pole
Wars e Game of Poles com fotos e vídeos de making of no nosso canal no youtube.
Ensaios Temáticos da equipe:
Vocês têm uma equipe fixa nos ensaios? Hoje,
quantas mulheres compõe o grupo?
Addara Macedo: Nossas primeiras brincadeiras no pole com
fantasias, antes da criação da página no facebook, em Maio de 2013 já foi com a
dupla idealizadora e mais uma amiga convidada e fã da série Star Wars. A partir
daí o projeto já surgiu com uma ideia de que o projeto é pra todos aqueles que
se identificam. Para não deixarmos de ser fiéis a denominação nerd e,
consequentemente, divertida, um dos critérios para a participação no ensaio é
ser fã da série tema. Eu que estou no projeto desde sua idealização
participei de todos os ensaios, mas a equipe sempre conta com convidados
independente da sua academia de escolha ou seu estilo de dança dentro do pole dance.
Atualmente nossa
equipe conta com 5 mulheres, sendo 3 do estado do Rio de Janeiro(Eu, Roberta
Santos e Ingrid Rebelo), 1 de Minas Gerais(Linda Deterling Azarias) e 1 de São
Paulo(Reh Frada) e um correspondente de Belo Horizonte, Marcelo Marques. Essa
equipe é fixa para postagens, criação e apoio em campanhas, mas não
necessariamente fixa para os ensaios. Nosso próximo ensaio, por exemplo,
contará com a participação de Vanessa Trindade, também residente no Rio de
Janeiro.
Após estes próximo
ensaio, vamos começar a reunir equipes nos demais estados citados para mais
temáticas e mais campanhas no meio da publicidade afirmativa com pole dance.
Addara Macedo
Sabemos que vocês ainda não possuem um local fixo
para os ensaios. Como fazem para realizá-los atualmente?
Addara Macedo: Não há exatamente a ideia de um local fixo.
realizamos nossos ensaios hoje com apoio de studios que cedem seu espaço e
algumas horas para o projeto porque apoiam a existência, entendem sua
importância no campo da representatividade. Se pudéssemos e não houvesse tanta
richa entre studios, gostaríamos de ajudar na divulgação de cada espaço
realizando sempre um ensaio em um local diferente, mas paralelamente aos
ensaios, o projeto possui um plano ambicioso da compra de um pole móvel através
de crowdfunding para polarizar ainda mais a arte pelas cidades misturando pole
dance com arte circense e se apresentando em praças e espaços populares,
atraindo crianças e curiosos para uma arte linda, livre de preconceitos. Essa ideia surgiu quando uma participei de um
projeto fotográfico no complexo da Maré, favela no Rio de Janeiro, onde eu
fazia pole dance nas ruas para ou com os moradores. Por vezes fui aplaudida,
chamada de bailrina e muitas crianças pediam que eu ensinasse os movimentos.
Ali nada era visto com preconceito, foi arte participativa e eu pretendo
ensinar o que sei muito em breve para aquelas crianças.
O Pole Dance, sabemos, ainda é uma prática que
remete a um pré-conceito no ideário popular. Vocês sentiram isso no início?
Como foi, por exemplo, a reação na família de vocês quando manifestaram desejo
pela prática?
Addara Macedo: Quando comecei a praticar o pole dance em
2009, meu namorado na época ficava chateado se eu postasse alguma foto na
internet. Na antiga rede social orkut, havia um álbum fechado apenas para amigas
onde eu postava as fotos das aulas. Um dia em casa assistindo a um vídeo de
campeonato de pole dance no youtube chamei meu pai para mostrar e perguntei o
que ele achava e a resposta foi bem clara "ah, isso ai é coisa de mulher
da vida". Na hora fechei o vídeo e continuei praticando a arte da dança no
silêncio, mas após uma cirurgia delicada, um transplante de córnea, tomei a
iniciativa de contar ao mundo tudo que eu fazia, ser mais e ir além. Já com o
facebook em agosto de 2012, postei a primeira foto do retorno. Comemorando cada
conquista, sempre postando alguma foto, não era raro receber algum comentário
gracinha, machista ou inbox com comentários ruins, mas minha única atitude era
cortar a amizade com a pessoa. Nunca tolerei piadas com a minha alegria. Quando
sai no jornal Maré de Notícias do complexo da Maré, minha mãe cheia de orgulho
mostrou ao meu pai e ele começou a entender que era algo diferente. Uma das
maiores vitórias foi um dia na praia que meu pai me fotografou na rua, numa
pose de pole dance. Ele sorria como bobo!
Maria
Cysneiros: Já que
estamos tratando de pré-conceito, deixo bem claro que sou trans, e que o pole
entrou em minha vida na fase mais difícil: quando eu era menino (não tinha a
auto aceitação por ser menino) e sofria bullying. Como aprendi com o tempo a
não dar ouvido a nada nem ninguém relacionado a criticas e viver o meu EU e ser
feliz, não vi sequer alguma crítica relacionado ao pole dance, pelo contrário:
muitas amigas dizendo que tem muita vontade de fazer. Lembrando também que o
preconceito vem na maioria das vezes da maneira que você se porta e se impõe
perante a sociedade. Já a minha família sempre me deu força em TUDO o que eu
faço, desde a faculdade de Arquitetura e Urbanismo até o pole dance. Mas dão
tanta força que já participaram de eventos de pole que eu estive presente e
curtem minhas fotos e vídeos que posto no instagram e facebook. Enfim graças a Deus eu nunca tive
problemas de pré-conceito com o pole dance.
Marcelo
Marques: Eu senti até um
certo receio em contar para as pessoas, pois percebia que mesmo alguns parentes
próximos e mais abertos faziam umas piadas de duplo sentido. Apesar de morar em
belo horizonte, sou do interior de minas, uma cidade bem pequena e tipicamente
católica, meus pais nem entendem direito o que é pole dance. E já chegou em meu
ouvido que algumas pessoas da cidade comentavam que eu parecia garoto de
programa, nunca dei muita atenção para essas coisas, na verdade, quanto mais
comentavam, mais eu fazia e postava fotos. Hoje em dia, a família acha legal e
bonito, pois sempre procuro postar fotos e vídeos de forma a mostrar que pode
(e é) ser uma dança como qualquer outra.
Marcelo Marques
Roberta Santos: Particularmente nunca tive nenhum problema com isso. Muito pelo
contrário, sempre tive apoio e as pessoas mostram-se interessadas e admiram que
eu faça pole dance. Porém vejo muito machismo na internet com relação ao Pole
Dance e o que me deixa mais triste é ver mulheres que repetem esses discursos
machistas.
Em casa pode haver aquelas mulheres que tem a
autoestima baixa, insatisfeita com o próprio corpo, até com vontade de
praticar, mas com receio ou vergonha. O que vocês diriam a elas? O Pole é pra
todas ou há restrições?
Roberta Santos: O Pole sem sombra de dúvida é para todas. O
Pole é progressivo, nós evoluímos e superamos
nossos limites aos poucos. Então enfim, no final das contas, não importa
o seu peso, todas são capazes de dançar. Quanto a auto estima, aumenta sim e
muito!
Maria Cysneiros: Eu sim era OBESA quando comecei no pole e
fazia coisas que nem eu sabia que faria. O pole aumenta o ego, te faz ter amor
próprio, mostra que o céu é o limite e o melhor: te mostra que é capaz de
infinitas coisas aumentando o seu ego independente de coisas que você chama de
“defeitos”. E não, não há restrições quando você está praticando com um
PROFISSIONAL QUALIFICADO. Eu Graças a Deus faço parte de um Studio que é uma
segunda casa onde todas as aulas são dadas por uma educadora física e
qualificada profissionalmente para lecionar aulas de pole dance.
Maria Cysneiros
Marcelo Marques: Acho que uma das grandes sacadas do pole
dance é melhorar a autoestima de quem o pratica, todo o processo de superação e
construção do corpo para conseguir movimentos mais avançados, ajuda a melhorar
a autoestima. Por ser um esporte praticado mais por mulheres, acredito que a
convivência entre elas cria um ambiente de segurança e bem estar, até eu, como
homem senti muito isso durante as aulas de pole dance. Sempre indico para
amigas e pessoas tímidas.
Addara Macedo: Meu primeiro conselho seria, dance! Dance o
que puder! A dança liberta! Conheça o pole dance, conheça o jazz, conheça o hip
hop, todas que puder e dance aquela que mais lhe dá alegria! Se for o pole
dance, venha pro nosso time! No pole como em muitas outras, a única restrição é
a boa saúde, vá a um médico e diga que vai começar a dançar. Como o pole dance
é um aprendizado progressivo, basta querer aprender que aos poucos todo
movimentos vem. Seu corpo se adapta, ele quer dançar! Pode apostar nisso! Tem
uma postagem na página que é sempr lembrada por mim. A imagem é uma moça com
muitas curvas e o quadro a sugere: como ter um corpo de pole dancer... 1 -
tenha um corpo 2 - matricule-se numa escola de pole dance e dica 3 - frequente
as aulas. Não há nenhuma restrição de idade. Crianças, idosos e deficientes
podem praticar o esporte. Precisamos é de mais incentivo no Brasil!
Ingrid Rabelo: Eu diria: FAÇAM POLE! O pole é pra quem
quiser que seja! Eu era essa mulher com baixa auto estima e com vergonha do
corpo. Fui hostilizada durante toda a minha adolescência por ser magra demais e
nunca me encaixar nos padrões de beleza da sociedade. Procurei diversos médicos
para tentar conseguir uma coisa que tava dentro de mim mesma o tempo todo: auto
estima. Cresci acreditando que nunca seria boa o suficiente pra ninguém e nunca
era boa o suficiente pra mim mesma. Que eu era fraca e feia. O pole dance me
fez descobrir o que tenho de melhor. O pole me mostrou que independente do que
achamos sobre nós mesmas, nós SOMOS incríveis e tudo que precisamos é perceber
isso. Hoje em dia faço coisas que nunca imaginei que seria capaz na vida e ate
hoje me surpreendo diariamente me superando todos os dias. A melhor coisa que o
pole trouxe pra minha vida foi me fazer perceber que eu posso ser o que eu
quiser e como eu quiser e que eu só preciso ser suficiente pra mim mesma antes
de querer ser qualquer coisa pra alguém. O pole te dá força, em todos os
sentidos. Por isso eu digo e repito com muito orgulho: o pole é pra mim, é pra
você, é pra TODOS que querem que seja!
Tive a informação da inserção de mulheres
trans no projeto Pole Nerds. Expliquem pra gente?
Addara Macedo: Nosso campo de atuação na representatividade
buscamos atingir aqueles que precisam ou que têm apoio e histórias para passar
adiante, após uma mensagem inbox que nos agradecia por postagens com imagens de
personagens masculinos, ou transvestidos, de um trans, então entendemos que
podíamos ajudar aqueles que passavam por alguma dificuldade.
Vocês fazem apresentações abertas ao público?
Addara Macedo: Ainda não tivemos chance, pois dependemos de
um pole móvel. Já recebemos convites para eventos de cultura japonesa e até a
Jedi Con, grande evento para o público Star Wars, mas para isso, além do pole
móvel, precisamos de apoio para as vestimentas que são feitas sob medida e
adaptadas ao pole dance. Nos nossos ensaios temos muito apoio de pessoas que
possuem trazes, mas eles não são nossos, são emprestados de membros do fã clube
ou demais amigos.
Roberta Santos: Ainda não, mas é algo que gostaríamos muito!
Ingrid Rebelo: Apresentações ainda não. Somos por enquanto
um projeto fotográfico que ajuda divulgar que o pole dance não é uma dança
"vulgar ", como é pregado por aí. O pole é dança, é esporte, é
ginástica, é o que você quiser que ele seja. Como fazemos sessão de fotos
temáticas, a princípio não tem como ser aberta ao público devido aos custos,
mas adoraríamos fazer sessões abertas, isso ajudaria o pole cada vez mais, em
todas as suas vertentes!
E o que mudou na vida de vocês com a inserção
do Pole Dance?
Addara Macedo: Desde que comecei no pole dance tudo mudou. Eu
ganhei luz. Perdi muito da minha timidez, conheci pessoas incríveis no Brasil e
no mundo, tem duas fotos comigo num livro do pole dance no complexo da maré,
com essas fotos estive na parede de 2 exposições, recebi aplausos,
reconhecimento da família e amigos e o que vale mais ainda, o agradecimento de
pessoas pela página pole nerds! Recentemente ainda consegui passar no processo
seletivo para uma residência na escola de circo Crescer e Viver no Rio de
Janeiro, estou em plena felicidade!
Maria Cysneiros: Completamente TUDO: o ego aumentou, a saúde
melhorou, o relacionamento com o meu interior se intensificou.
Roberta Santos: Descobri uma nova paixão, algo que me dá
força e me motiva a cada dia.
Roberta Santos
Marcelo Marques: Passei a me sentir muito bem com meu corpo,
ganhei força, tônus muscular, passei a ter mais segurança para enfrentar
situações que antes sentia vergonha, algo que sempre fora um problema para mim,
que é a nudez, passou a ser algo
natural, hoje em dia até brinco com situações atípicas que envolvam nudez do
meu corpo. Passei a ter muito mais energia para tarefas do dia a dia e sempre
que estou mais pra baixo recorro ao pole para dar um gás.
Ingrid Rebelo: Tudo! E isso é notório! Todos os meus amigos
me dizem constantemente o quanto eu mudei. Meu jeito de me vestir, de falar, de
pensar. Sempre fui extremamente reprimida por ser quem eu era e o pole me
libertou! Hoje em dia eu sou feliz, satisfeita com meu corpo e consequentemente
com a minha vida. Tudo melhorou!
Um último recado para o público do Mulher
Manifesto.
Addara Macedo: Dance! Dance sem depender de qualquer coisa,
dance por vontade, dance pela feminilidade, dance pela luta! Apareça pra você e
pro mundo!
Roberta Santos: Jamais deixem que alguém diga o que você pode ou não fazer. Sigam seus
sonhos e se preocupem em agradar apenas uma pessoa: você.
Ingrid Rebelo: Vocês são o que quiserem ser! São livres para serem
o que quiserem! São capazes de tudo! O nosso corpo é surpreendente e nós não
temos ideia das nossas capacidades até testá-las, ainda mais sendo
constantemente oprimidas. O pole dance só nos traz benefícios em todas as áreas
das nossas vidas. Não importa o quão incapaz você ache que seja. Você pode!
Você é capaz! Basta querer!
Ingrid Rebelo
Sucesso pessoal!!!
Muito obrigada.
Imagens: Arquivos Pessoais