Por Jean Pierry Leonardo
Maria Rita Camargo Mariano. Um nome bonito que sempre soou
como o peso da tradição e da genética que lhe fora dado por seus progenitores.
Paulista, é filha da também cantora Elis Regina e do pianista e arranjador
musical César Camargo Mariano. Dois dos maiores nomes da Música Popular
Brasileira (MPB). O DNA já dizia que seu futuro seria na música. Só o que ela
não sabia, era como isso seria difícil – pelo menos até fincar seu próprio
nome.
Talvez por isso, Maria Rita tenha demorado a iniciar sua
carreira. Desde os quatorzes anos que ela já sabia o que queria, mas somente
aos 24 anos ela teve a coragem, por assim dizer, de lançar-se nessa seara.
Segundo ela “(...)sempre tive a consciência de ser a única filha
mulher de uma grande cantora(...). Também
pudera, não foi fácil crescer sendo filha e com a responsabilidade de dar
continuidade a uma carreira particular, sem o peso de ser comparada e ter de
seguir os passos de sua mãe - que os outros lhe atribuíam. Aliás, mãe essa que
não foi qualquer artista. Ainda que a chamada “Geração Y” não tenha sequer
ouvido falar dela, Elis Regina foi – e ainda é - a maior cantora desse país. A força e
magnitude com que a “Pimentinha”, como era carinhosamente chamada, ressoava
pelos rincões do Brasil e do mundo fizeram dela uma das maiores estrelas da MPB
e música latina, durante sua curta, mas gloriosa trajetória, fatalmente
interrompida aos 37 anos de vida.
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Maria Rita iniciou sua carreira apenas aos 24 anos Foto: Divulgação |
Era de se esperar que Maria Rita demorasse a seguir os mesmos passos. Mas não querendo ser como a mãe que ela mal teve a oportunidade de conviver (quando Elis morreu ela tinha apenas três anos de idade), e sim portando-se como uma artista que queria mostrar que não precisa apoiar-se no nome da mãe. Afinal, ela tinha talento e capacidade para isso. Enquanto relutava naquilo que já estava predestinada a seguir, Maria foi estudar e formou-se em Comunicação Social e estudos latino-americanos em Nova York, nos EUA, onde morou durante algum tempo com seu pai. Mas o desejo era mais forte, latente, e não teve jeito. “Sempre quis cantar. Mas a questão não era querer. Era por quê. Não gosto de fazer nada sem ter um porquê. Fica mais fácil quando você tem um objetivo, uma meta. O motivo passou a existir quando percebi que ficaria louca se não cantasse!", segundo suas palavras. Era chegada a hora.
Em 2003, ela
lançou seu primeiro disco homônimo que a consagrou. Ali, público e crítica
puderam comprovar que o talento era genético e que Maria Rita brilharia. Não
foi à toa que o “Maria Rita” (2003) vendeu mais de 1 milhão de cópias. Seu DVD,
também homônimo, passou rapidamente de 180 mil cópias. Logo vieram as primeiras
e indefectíveis comparações e foi quase impossível não referenciá-la com Elis
Regina, não apenas porque ela tornou-se uma das mais gratas revelações da MPB,
mas também porque ela corroborava em suas feições, composições, canto,
interpretações e shows, características tão viscerais e profundas que fizeram
de Elis um marco de nossa música. Inclusive, seu primeiro single foi “A Festa”,
composta por Milton Nascimento, o “Bituca”, apelidado por Elis, sua grande
amiga. Parecia que toda uma geração daquelas tipo “como nossos pais”esperava
por esse momento: do “reencontro” com a “ídola” do passado.
O sucesso de
Maria Rita só crescia: conseguiu, no Brasil, um “Disco de Platina Triplo” e um “DVD
de Diamante”; em Portugal, foi “Disco
de Platina”, venceu, em 2004, o Grammy
Latino nas categorias “Revelação do Ano”
(única brasileira na história), “Melhor
Álbum de MPB” e “Melhor Canção
Brasileira” (A Festa, de Milton
Nascimento); ainda
ganhou o prêmio “Faz a Diferença”,
oferecido pelo “Jornal O Globo”; o
troféu da categoria “Melhor Cantora do
Prêmio Multishow”; e o “Prêmio Tim
de Música” nas categorias “Revelação e Escolha do Público”. A
canção "Encontros e Despedidas" (de Milton
Nascimento e Fernando
Brant), gravada em seu
primeiro CD, foi tema de abertura da novela “Senhora do Destino”, da “Rede
Globo”. Mas,
proporcionalmente, também as cobranças e comparações com sua mãe. Obstinada,
Maria Rita posicionava-se sempre de maneira enfática com relação a isso, ao
passo que muitos a interpretaram e a julgaram por “estar renegando seu passado”
e deixaram de gostar dela.
Só o que não
conseguiram entender é que não havia rejeição. Ela só queria ser reconhecida
como Maria Rita e não (apenas) como “a filha de Elis Regina”. De lá para cá,
Maria Rita continuou na sua trajetória de sucessos, com outros CD’s tão bem
quistos por público e crítica como “Segundo”
(2005), “Samba Meu” (2007), “Elo” (2011). Vale aqui um destaque para
o momento mais emocionante e singular de toda sua carreira: o álbum “Redescobrir” (2012). Nele, durante um
projeto desenvolvido por uma marca de cosméticos, no ano em que Elis Regina
completava 30 anos de sua morte, Maria Rita emocionou e encantou gerações com
aquilo que muitos desejavam. Vê-la interpretar as canções de sua mãe. Lembra
daqueles que “deixaram de gostar dela”? Fizeram as pazes com a artista. O
encarte foi gravado ao vivo e lançado como CD
e DVD duplo e merecidamente foi o “Melhor
Álbum de Música Popular Brasileira”, de 2014. Já assentada no posto de um
dos maiores nomes contemporâneos do gênero e madura o suficiente para poder
lidar com a mídia, Maria Rita mostrou o encanto de sua poderosa voz e a
fragilidade de suas emoções em versos e prosas no espírito das músicas
eternizadas pela Pimentinha. Foi um dos pontos mais altos, bonitos e carinhosos
de sua carreira até hoje. O “acerto” com o passado – seu e do público – foi
selado. Inesquecível.
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Maria Rita durante turnê "Redescobrir" onde cantou músicas de Elis Regina Foto: Alex Paralea e Roberto Filho/AgNews |
Seu último
trabalho é “Coração a Batucar”
(2014), onde ela recoloca-se inteiramente no gênero do samba e afirma sua
multiplicidade. Com caminhos abertos por onde passa, Maria buscou na parceria e
experiências, além da amizade de Arlindo Cruz, Noca da Portela, Xande de
Pilares, Joyce Moreno, entre outros, o time perfeito para não desandar no
compasso do sucesso. Resumindo: o álbum já é “Disco de Ouro”, “Rumo ao Infinito” entrou na trilha da novela
global “Alto Astral”, ganhou mais um Grammy Latino como “Melhor Álbum de Samba” (são ao todo 11 Grammys conquistados) e a
turnê segue firme e forte pelo Brasil. Houve espaço ainda para desfilar,
literalmente, pelo Anhembi representando sua mãe no vitorioso enredo “Simplesmente
Elis – A fábula de Uma Voz Transversal” de 2015. Desse jeito, Maria Rita
fincou-se como artista e, gradativamente, foi provando que talento vem de
berço, comparações são aceitáveis, mas que seu caminho é próprio e seu nome
merece ser exaltado como único.
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Maria Rita durante o desfile em homenagem a sua mãe na Vai Vai esse ano Foto: Reprodução/G1 |