sábado, 5 de setembro de 2015

Última Nota: Maria Rita já não é mais a filha de Elis Regina

05/09/15
Por Jean Pierry Leonardo


Maria Rita Camargo Mariano. Um nome bonito que sempre soou como o peso da tradição e da genética que lhe fora dado por seus progenitores. Paulista, é filha da também cantora Elis Regina e do pianista e arranjador musical César Camargo Mariano. Dois dos maiores nomes da Música Popular Brasileira (MPB). O DNA já dizia que seu futuro seria na música. Só o que ela não sabia, era como isso seria difícil – pelo menos até fincar seu próprio nome.

Talvez por isso, Maria Rita tenha demorado a iniciar sua carreira. Desde os quatorzes anos que ela já sabia o que queria, mas somente aos 24 anos ela teve a coragem, por assim dizer, de lançar-se nessa seara. Segundo ela “(...)sempre tive a consciência de ser a única filha mulher de uma grande cantora(...). Também pudera, não foi fácil crescer sendo filha e com a responsabilidade de dar continuidade a uma carreira particular, sem o peso de ser comparada e ter de seguir os passos de sua mãe - que os outros lhe atribuíam. Aliás, mãe essa que não foi qualquer artista. Ainda que a chamada “Geração Y” não tenha sequer ouvido falar dela, Elis Regina foi – e ainda é -  a maior cantora desse país. A força e magnitude com que a “Pimentinha”, como era carinhosamente chamada, ressoava pelos rincões do Brasil e do mundo fizeram dela uma das maiores estrelas da MPB e música latina, durante sua curta, mas gloriosa trajetória, fatalmente interrompida aos 37 anos de vida.

Maria Rita iniciou sua carreira apenas aos 24 anos
Foto: Divulgação

Era de se esperar que Maria Rita demorasse a seguir os mesmos passos. Mas não querendo ser como a mãe que ela mal teve a oportunidade de conviver (quando Elis morreu ela tinha apenas três anos de idade), e sim portando-se como uma artista que queria mostrar que não precisa apoiar-se no nome da mãe. Afinal, ela tinha talento e capacidade para isso. Enquanto relutava naquilo que já estava predestinada a seguir, Maria foi estudar e formou-se em Comunicação Social e estudos latino-americanos em Nova York, nos EUA, onde morou durante algum tempo com seu pai. Mas o desejo era mais forte, latente, e não teve jeito. “Sempre quis cantar. Mas a questão não era querer. Era por quê. Não gosto de fazer nada sem ter um porquê. Fica mais fácil quando você tem um objetivo, uma meta. O motivo passou a existir quando percebi que ficaria louca se não cantasse!", segundo suas palavras. Era chegada a hora.

Em 2003, ela lançou seu primeiro disco homônimo que a consagrou. Ali, público e crítica puderam comprovar que o talento era genético e que Maria Rita brilharia. Não foi à toa que o “Maria Rita” (2003) vendeu mais de 1 milhão de cópias. Seu DVD, também homônimo, passou rapidamente de 180 mil cópias. Logo vieram as primeiras e indefectíveis comparações e foi quase impossível não referenciá-la com Elis Regina, não apenas porque ela tornou-se uma das mais gratas revelações da MPB, mas também porque ela corroborava em suas feições, composições, canto, interpretações e shows, características tão viscerais e profundas que fizeram de Elis um marco de nossa música. Inclusive, seu primeiro single foi “A Festa”, composta por Milton Nascimento, o “Bituca”, apelidado por Elis, sua grande amiga. Parecia que toda uma geração daquelas tipo “como nossos pais”esperava por esse momento: do “reencontro” com a “ídola” do passado.

Capa do álbum "Maria Rita" (2003): onde tudo começou
Foto: Reprodução

O sucesso de Maria Rita só crescia: conseguiu, no Brasil, um “Disco de Platina Triplo” e um “DVD de Diamante”; em Portugal, foi “Disco de Platina”, venceu, em 2004, o Grammy Latino nas categorias “Revelação do Ano” (única brasileira na história), “Melhor Álbum de MPB” e “Melhor Canção Brasileira” (A Festa, de Milton Nascimento); ainda ganhou o prêmio “Faz a Diferença”, oferecido pelo “Jornal O Globo”; o troféu da categoria “Melhor Cantora do Prêmio Multishow”; e o “Prêmio Tim de Música” nas categorias “Revelação e Escolha do Público”. A canção "Encontros e Despedidas" (de Milton Nascimento e Fernando Brant), gravada em seu primeiro CD, foi tema de abertura da novela “Senhora do Destino, da “Rede Globo. Mas, proporcionalmente, também as cobranças e comparações com sua mãe. Obstinada, Maria Rita posicionava-se sempre de maneira enfática com relação a isso, ao passo que muitos a interpretaram e a julgaram por “estar renegando seu passado” e deixaram de gostar dela.

Só o que não conseguiram entender é que não havia rejeição. Ela só queria ser reconhecida como Maria Rita e não (apenas) como “a filha de Elis Regina”. De lá para cá, Maria Rita continuou na sua trajetória de sucessos, com outros CD’s tão bem quistos por público e crítica como “Segundo” (2005), “Samba Meu” (2007), “Elo” (2011). Vale aqui um destaque para o momento mais emocionante e singular de toda sua carreira: o álbum “Redescobrir” (2012). Nele, durante um projeto desenvolvido por uma marca de cosméticos, no ano em que Elis Regina completava 30 anos de sua morte, Maria Rita emocionou e encantou gerações com aquilo que muitos desejavam. Vê-la interpretar as canções de sua mãe. Lembra daqueles que “deixaram de gostar dela”? Fizeram as pazes com a artista. O encarte foi gravado ao vivo e lançado como CD  e DVD duplo e merecidamente foi o “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira”, de 2014. Já assentada no posto de um dos maiores nomes contemporâneos do gênero e madura o suficiente para poder lidar com a mídia, Maria Rita mostrou o encanto de sua poderosa voz e a fragilidade de suas emoções em versos e prosas no espírito das músicas eternizadas pela Pimentinha. Foi um dos pontos mais altos, bonitos e carinhosos de sua carreira até hoje. O “acerto” com o passado – seu e do público – foi selado. Inesquecível.


Maria Rita durante turnê "Redescobrir" onde cantou músicas de Elis Regina
Foto: Alex Paralea e Roberto Filho/AgNews

Seu último trabalho é “Coração a Batucar” (2014), onde ela recoloca-se inteiramente no gênero do samba e afirma sua multiplicidade. Com caminhos abertos por onde passa, Maria buscou na parceria e experiências, além da amizade de Arlindo Cruz, Noca da Portela, Xande de Pilares, Joyce Moreno, entre outros, o time perfeito para não desandar no compasso do sucesso. Resumindo: o álbum já é “Disco de Ouro”, “Rumo ao Infinito” entrou na trilha da novela global “Alto Astral”, ganhou mais um Grammy Latino como “Melhor Álbum de Samba” (são ao todo 11 Grammys conquistados) e a turnê segue firme e forte pelo Brasil. Houve espaço ainda para desfilar, literalmente, pelo Anhembi representando sua mãe no vitorioso enredo “Simplesmente Elis – A fábula de Uma Voz Transversal” de 2015. Desse jeito, Maria Rita fincou-se como artista e, gradativamente, foi provando que talento vem de berço, comparações são aceitáveis, mas que seu caminho é próprio e seu nome merece ser exaltado como único.  


Maria Rita durante o desfile em homenagem a sua mãe na Vai Vai esse ano
Foto: Reprodução/G1