A melhor equipe da Ucrânia na década de 30 era o
Dínamo de Kiev. Em 1938, o Dínamo chegou à quarta colocação da liga nacional,
marcando vinte e sete gols. Porém, nas duas temporadas seguintes a equipe teve
fraca participação nos campeonatos.
Se esperava que em 41 os anos de glória voltassem,
mas a temporada jamais foi concluída. Pois em 22 de julho daquele ano teve
início a invasão da União Soviética imposta pela Alemanha Nazista.
Diversos jogadores do Dínamo juntaram-se ao exército
e seguiram para a frente de batalha. Com os alemães aproximando-se de Kiev, os
que permaneceram foram obrigados a juntar-se à defesa civil municipal. O
sucesso inicial da Wehrmacht (Conjunto das Forças Armadas Alemã) permitiu a
captura daquela que era uma das principais cidades da União Soviética. Muitos
dos jogadores que sobreviveram ao massacre da população, acabaram encarcerados
em campos de concentração.
Prisioneiros categorizados como
"inofensivos" foram libertados e passaram a integrar a população da
Kiev ocupada. Os jogadores: Kolya Trusevich, Alexei Klimenko, Ivan Kuzmenko,
Nikolai Makhinya, Pavel Komarov, Makar Goncharenko, Fyodor Tyutchev, Mikhail
Sviridovsky e Mikhail Putsin viram-se de repente em condição de miséria pelas
ruas da cidade, sem ter onde morar ou como se alimentar.
Até que um dia, Iosif Kordik - dono da Padaria Nº3
de Kiev e torcedor fanático do Dínamo - caminhava pela rua quando, surpreso,
encontrou um mendigo e de imediato se deu conta de que era o grande goleiro
Trusevich. Kordik era o novo gerente da padaria, obtendo esta posição
privilegiada devido a sua origem alemã e levou o goleiro para trabalhar
consigo. Mesmo sabendo que era um ato ilegal, correu o risco. O goleiro foi o
primeiro de vários jogadores que Kordik retirou da miséria, inclusive três
jogadores da equipe rival Locomotiva de Kiev (Vladimir Balakin, Vasil Sukharev
e Mikhail Melnyk). Sem saber estava montando as bases de uma equipe dos sonhos.
Trusevych foi quem encontrou durante a primavera de 1942 seus antigos colegas
de Dínamo.
Utilizando a sua influência politica, Kordik
persuadiu as novas autoridades a deixá-lo formar um clube de futebol para
medir-se aos regimentos estacionados na Ucrânia de forma a melhorar a moral dos
soldados e da população local.As autoridades duvidaram num primeiro momento,
mas aceitaram depois, pensando que os jogadores seriam simples amadores e
presas fáceis para os seus homens. O novo nome do clube não podia ser mais
explícito, e assim surgiu o FC Start. Um novo começo para uma realidade que ia mudar
para sempre a mentalidade dos ucranianos.
A decisão de entrar para a liga não foi fácil para
os jogadores do Start. Havia entre eles os que acreditavam que participar do
campeonato era o equivalente a colaborar com os nazistas, que patrocinavam a liga
como meio de reintroduzir a "normalidade" na cidade sitiada. Outros
eram da opinião de que jogar poderia ajudar a aumentar a moral da população de
Kiev.
A equipe por fim decidiu participar. Para enfatizar
o fato de que estavam jogando pela cidade, os futebolistas usavam camisas de
malha vermelhas, que Trusevich e Putsin haviam encontrado em um depósito
abandonado.
O jogo de estréia da temporada foi em 7 de junho de
1942. Neste dia, o Start jogou sua primeira partida da liga local contra o
Rukh, equipe formada por outros jogadores ucranianos. O Start venceu por 7 a 2.
O Start enfrentou outras 6 equipes formadas por
guarnições invasoras, alcançando a incrível marca de 40 gols marcados e apenas
6 sofridos. E quando chegou a partida contra a equipe alemã Flakelf, o
resultado não foi diferente. Mais uma vitória pelo placar de 5x1.
Porém, após esse jogo, os alemães pediram revanche.
O jogo foi disputado em 9 de agosto de 1942 no Estádio Zenit e ao contrário de
outras partidas, foi marcado pela presença maciça de policiais e tropas alemãs.
Um oficial da SS (Organização Paramilitar ligada ao Partido Nazista) foi posto
como árbitro. Antes do jogo, ele foi ao vestiário do FC Start, alertando os
atletas a jogar dentro das regras e ao subir para o gramado, saudar os
oponentes com a saudação nazista.
Ao entrar em campo, a equipe recusou-se a fazer a
saudação nazista para os soldados e oficiais de alta patente reunidos no
estádio. Como consequência e já previsto, o árbitro ignorou solenemente as
faltas cometidas pelo Flakelf. O goleiro Trusevych que, após sofrer repetidas
faltas, foi chutado na cabeça por um atacante adversário. Ainda tonto pela
pancada, ele deixou passar o primeiro gol do Flakelf. Nada que abalasse o
corajoso time ucraniano, que virou a partida e fez mais um, indo para o
intervalo vencendo o jogo por 3x1.
Durante o intervalo, o Start recebeu novamente
visitantes em seu vestiário. Eram oficiais da SS, pedindo que a equipe
entregasse o jogo. Além de dizer aos jogadores que os alemães estavam impressionados
com sua habilidade, mas que deveriam entender que não poderiam vencer e que, na
verdade, deveriam pensar nas consequências caso ganhassem a partida.
Já no segundo tempo, cada equipe marcou 2 gols. E no
fim da partida, com o Start tranquilo no jogo devido ao placar de 5 a 3,
Klimenko, o zagueiro do Start, recebeu a bola, driblou toda defesa alemã, além
do goleiro. E não chutou a bola em direção ao gol, ele virou-se e chutou a bola
de volta ao meio-campo. O árbitro indignado soprou o apito final antes de
completados os noventa minutos.
Como toda Kiev poderia a vir falar da façanha, os
nazistas deixaram que os jogadores saíssem de campo como se nada tivesse
acontecido. Inclusive o FC Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8 a 0.
Entretanto, o plano já estava traçado e depois dessa última partida, a Gestapo
(Polícia Secreta do Estado Alemão) invadiu a padaria sob a alegação de que os
jogadores pertenciam à NKVD (Ministério Interior da União Soviética).
O primeiro a morrer torturado em frente a todos os
outros foi Kordik, o padeiro. Os outros presos foram enviados para os campos de
concentração de Siretz. Ali mataram brutalmente a Kuzmenko, Klimenko e o
goleiro Trusevich, que foi assassinado com a camisa do FC Start em fevereiro de
1943. Apenas Goncharenko e Sviridovsky sobreviveram, pois no momento da invasão
à padaria, estavam realizando entregas à domicílio. Ao saberem do ocorrido se
esconderam nos esgotos da cidade até a libertação de Kiev em 20 de novembro de 1943. Ou seja, 9 meses
depois, foram encontrados ainda com vida. Todo o resto da equipe foi torturada
até a morte.
Após o término da guerra e a derrota dos nazistas, o
Start voltou a se chamar Dínamo de Kiev. Mais detalhes sobre essa emocionante
história podem ser encontrados no livro “Futebol e Guerra”, escrito pelo
jornalista britânico Andy Dougan, publicado no Brasil pela editora Jorge Zahar.
Os jogadores do FC Start ainda hoje são cultuados na
Ucrânia como heróis da pátria e seu exemplo de luta e coragem é ensinado às
crianças nas salas de aula. Além disso, os presentes no estádio naquela partida
têm direito a um assento gratuito no estádio do Dínamo. Nas escadarias do clube
ainda conserva-se um monumento em homenagem aos heróis do FC Start, o time que
ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e
1942.