sexta-feira, 15 de abril de 2016

A Maior Mácula do Impeachment: o Machismo

15/04/16
Coluna: Zé do Caroço
Autor: Guilherme Cunha



Várias vezes, durante os últimos acontecimentos, pensei o quanto a presidenta Dilma estaria sendo atingida por um sistema formado e sustentado por corruptos milionários como Eduardo Cunha, por ser ela uma representante de camadas mais populares do Brasil. Até que caiu a minha ficha pra uma realidade bem mais perversa que o preconceito de classe. O de gênero. É tudo muito simples. Nós não estaríamos passando por nada disso se a Dilma não fosse mulher.

Em plena época batizada por alguns como Primavera das Mulheres a chefe de estado da sétima maior economia do mundo vem sendo repetidamente alvo de todo tipo de assédio moral, e este em nenhum momento se desvincula do gênero com o qual ela nasceu.

E, não tenho a menor dúvida, o processo de seu afastamento da presidência da república só chegou aonde chegou porque Dilma é mulher, enfrentando um congresso majoritariamente representado por homens. Pior que isso, enfrentando toda uma campanha sórdida da mídia e de setores conservadores da população.




Alguns lembrarão que algo semelhante ocorreu com o ex-presidente Itamar Franco, quando foi manchete de todos os jornais ao ser fotografado ao lado de uma modelo sem calcinha. Mas, até neste caso, não foi a objetificação feminina o ponto central da intriga?

Quase todos que odeiam Dilma odeiam Lula pelos mesmos argumentos. Só que ninguém nunca fez um tapa sexo com o rosto do Lula. Ninguém colou num carro um adesivo do Lula de pernas abertas. Nenhum repórter jamais perguntou se Lula era homossexual. Nunca, enquanto era presidente, um estádio mandou o Lula tomar no c...

Porque não importa o papel que qualquer político desempenhe nesse debate. Não importa que a ignorância de Bolsonaro nos faça passar vergonha internacional várias vezes. Não importa que Michel Temer passe um atestado de insegurança digna de um adolescente com cartas e áudios vazados. Não importa que Fernando Henrique sustentasse o filho da amante lavando dinheiro no exterior. Não importa que Eduardo Cunha seja um corrupto e Sergio Moro um egocêntrico.




É sempre a Dilma quem é a desequilibrada, a destemperada, a incompetente. Se ela erra – e aqui não se negam seus muitos erros – tudo é superdimensionado para desvalorizá-la como governante e como pessoa. No fundo, se houvesse um resquício de sinceridade em seus opositores, todos os inimigos da presidenta usariam o mesmo adjetivo para desqualificá-la: a mulher.

Seja honesto, especialmente se você for homem. Quantos neste país não dormiram à noite um pouco mais incomodados desde 2010 sabendo que a autoridade máxima do Brasil era uma mulher? Quantos não torceram intimamente para que ela fracassasse para provar sua crença quase darwiniana de que em certos trabalhos destinados a homens uma mulher sempre fracassaria?

Ver as próprias mulheres – inclusive jornalistas - reproduzindo ataques misóginos contra Dilma sob o falso pretexto de serem endereçados a governante e não a pessoa não apenas é deprimente, como atesta o quanto a sociedade brasileira é tristemente retrógrada. Sim, não dá pra fugir dessa constatação. Basta ver o papel de palhaça que a Direita perversamente reservou a Janaína Paschoal no enredo do impeachment, enquanto se deleita com suas excentricidades.




Somos uma nação patética que enxerga na mulher nada mais do que um sub-homem. Uma costela. Quando um Diogo Mainardi na Globo News se apressa a condenar a Dilma sem provas por crimes de campanha é sintomático que ele o faça dando um corte na Cristiana Lôbo, que defendia tese contrária. Nesse momento não importa a ele que a colega também faça oposição ao governo do PT. Importa é seu instinto machista quase que gritando no fundo do seu ser para ele calá-la e se sobrepor à pretensa ameaça da união de dois seres que considera inferiores.

Esse é o alto preço que pagarão todas as mulheres que apoiarem o golpe contra Dilma Rousseff. Não é só uma questão de petróleo, uma questão de corrupção ou uma questão de luta de classes. É a mesma história desde que o mundo é mundo. Um grupo de homens querendo silenciar a voz de uma mulher.

Até mesmo a implicância com a palavra presidenta nunca teve a ver com gramática. Porque primeiro disseram que a gramática não permitia. Quando gramáticos validaram o vocábulo, os críticos mudaram e disseram que era uma questão estética. Mas jamais foi por causa da gramática. Tão pouco pela estética.




A única verdade é que as pessoas odeiam a palavra presidenta por causa da letra "a" e todo o simbolismo que ela carrega em si. O quão patética e triste não deve ser a vida de alguém que dedica tempo e energia da sua existência a odiar uma letra do alfabeto.

Foi a presença daquele “a” ali que sempre incomodou tanto certas mentes estreitas incapazes de aceitar o diferente, venha ele através de uma cor, raça, classe, nacionalidade, credo ou sexo. Resta-nos saber como vamos contar essa história no futuro para os nossos filhos... e principalmente para as nossas filhas...

Mas uma certeza eu tenho. A maioria dos homens que ocupam cargos públicos em Brasília não suportaria um terço do ataque que a Dilma sofreu sem pedir arrego. E no fundo eles sabem disso. O que só apressa ainda mais o desejo doentio de tirá-la para saciar uma deficiência que existe dentro de cada um que a odeia. A força dela só expõe a fraqueza deles.






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