Coluna: Zé do Caroço
Autor: Guilherme Cunha
Várias vezes, durante os últimos acontecimentos,
pensei o quanto a presidenta Dilma estaria sendo atingida por um sistema
formado e sustentado por corruptos milionários como Eduardo Cunha, por ser ela
uma representante de camadas mais populares do Brasil. Até que caiu a minha
ficha pra uma realidade bem mais perversa que o preconceito de classe. O de
gênero. É tudo muito simples. Nós não estaríamos passando por nada disso se a
Dilma não fosse mulher.
Em plena época batizada por alguns como Primavera
das Mulheres a chefe de estado da sétima maior economia do mundo vem sendo
repetidamente alvo de todo tipo de assédio moral, e este em nenhum momento se
desvincula do gênero com o qual ela nasceu.
E, não tenho a menor dúvida, o processo de seu
afastamento da presidência da república só chegou aonde chegou porque Dilma é
mulher, enfrentando um congresso majoritariamente representado por homens. Pior
que isso, enfrentando toda uma campanha sórdida da mídia e de setores
conservadores da população.
Alguns lembrarão que algo semelhante ocorreu com o
ex-presidente Itamar Franco, quando foi manchete de todos os jornais ao ser
fotografado ao lado de uma modelo sem calcinha. Mas, até neste caso, não foi a
objetificação feminina o ponto central da intriga?
Quase todos que odeiam Dilma odeiam Lula pelos
mesmos argumentos. Só que ninguém nunca fez um tapa sexo com o rosto do Lula.
Ninguém colou num carro um adesivo do Lula de pernas abertas. Nenhum repórter
jamais perguntou se Lula era homossexual. Nunca, enquanto era presidente, um estádio mandou o Lula tomar
no c...
Porque não importa o papel que qualquer político
desempenhe nesse debate. Não importa que a ignorância de Bolsonaro nos faça
passar vergonha internacional várias vezes. Não importa que Michel Temer passe
um atestado de insegurança digna de um adolescente com cartas e áudios vazados.
Não importa que Fernando Henrique sustentasse o filho da amante lavando
dinheiro no exterior. Não importa que Eduardo Cunha seja um corrupto e Sergio
Moro um egocêntrico.
É sempre a Dilma quem é a desequilibrada, a
destemperada, a incompetente. Se ela erra – e aqui não se negam seus muitos
erros – tudo é superdimensionado para desvalorizá-la como governante e como
pessoa. No fundo, se houvesse um resquício de sinceridade em seus opositores,
todos os inimigos da presidenta usariam o mesmo adjetivo para desqualificá-la:
a mulher.
Seja honesto, especialmente se você for homem.
Quantos neste país não dormiram à noite um pouco mais incomodados desde 2010
sabendo que a autoridade máxima do Brasil era uma mulher? Quantos não torceram
intimamente para que ela fracassasse para provar sua crença quase darwiniana de
que em certos trabalhos destinados a homens uma mulher sempre fracassaria?
Ver as próprias mulheres – inclusive jornalistas -
reproduzindo ataques misóginos contra Dilma sob o falso pretexto de serem
endereçados a governante e não a pessoa não apenas é deprimente, como atesta o
quanto a sociedade brasileira é tristemente retrógrada. Sim, não dá pra fugir
dessa constatação. Basta ver o papel de palhaça que a Direita perversamente reservou a Janaína Paschoal no enredo do impeachment, enquanto se deleita com suas excentricidades.
Somos uma nação patética que enxerga na mulher nada
mais do que um sub-homem. Uma costela. Quando um Diogo Mainardi na Globo News
se apressa a condenar a Dilma sem provas por crimes de campanha é sintomático
que ele o faça dando um corte na Cristiana Lôbo, que defendia tese contrária.
Nesse momento não importa a ele que a colega também faça oposição ao governo
do PT. Importa é seu instinto machista quase que gritando no fundo do seu ser
para ele calá-la e se sobrepor à pretensa ameaça da união de dois seres que
considera inferiores.
Esse é o alto preço que pagarão todas as mulheres
que apoiarem o golpe contra Dilma Rousseff. Não é só uma questão de petróleo,
uma questão de corrupção ou uma questão de luta de classes. É a mesma história
desde que o mundo é mundo. Um grupo de homens querendo silenciar a voz de uma
mulher.
Até mesmo a implicância com a palavra presidenta
nunca teve a ver com gramática. Porque primeiro disseram que a gramática não
permitia. Quando gramáticos validaram o vocábulo, os críticos mudaram e
disseram que era uma questão estética. Mas jamais foi por causa da gramática. Tão pouco
pela estética.
A única verdade é que as pessoas odeiam a palavra
presidenta por causa da letra "a" e todo o simbolismo que ela carrega em si. O quão patética e triste não deve ser a vida de alguém que dedica tempo e energia da sua existência a odiar uma letra do alfabeto.
Foi a presença daquele “a” ali que sempre
incomodou tanto certas mentes estreitas incapazes de aceitar o diferente, venha ele
através de uma cor, raça, classe, nacionalidade, credo ou sexo. Resta-nos saber como vamos contar essa
história no futuro para os nossos filhos... e principalmente para as nossas
filhas...
Mas uma certeza eu tenho. A maioria dos homens que
ocupam cargos públicos em Brasília não suportaria um terço do ataque que a
Dilma sofreu sem pedir arrego. E no fundo eles sabem disso. O que só apressa
ainda mais o desejo doentio de tirá-la para saciar uma deficiência que existe
dentro de cada um que a odeia. A força dela só expõe a fraqueza deles.
Imagens:
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