quarta-feira, 27 de abril de 2016

Por Fora Belo Impeachment, Por Dentro Golpe Bolorento

26/04/16    -    Coluna: Zé do Caroço    Autor(a): Guilherme Cunha


Carta Aberta ao Senado Brasileiro.




Caros senadores da república,

Sei que neste momento cabe a vocês decidir o futuro do processo de impeachment contra a Presidente da República. Contudo, antes de escolherem o que fazer com esta responsabilidade que repousa em seus ombros, gostaria se observar alguns pontos relevantes.

Sabemos que vocês sofrem pressão popular dos dois lados. Tanto contra, como a favor do impeachment. Agora, reflitam. Quem é a favor do impeachment não dá a mínima para vocês no dia seguinte. Sob o falso pretexto da isenção, esse grupo de pessoas tem sido massa de manobra despolitizada moldada ao bel prazer pelas mãos de grandes empresários. Não é por acaso o envolvimento tão presente da Fiesp nas manifestações contra o governo.

O povo contra o impeachment, por outro lado, é politizado e sabe reconhecer quem remou contra a maré ao invés de se deixar levar pelo efeito manada. Nos aeroportos, locais públicos e redes sociais, quem votou contra recebeu o calor e carinho desse povo. Quem votou a favor foi motivo de chacota das próprias pessoas que pediram que votassem a favor. Pois estes vão abandonar vocês, cedo ou tarde. Eles não tem lado. Só estão contra o PT e. uma vez que o PT saia do caminho, vão para cima de quem estiver na frente, igual a um touro numa arena.


Se o governo Dilma continuar vocês terão contra si aqueles que odeiam o governo atual, mas ao seu lado estarão aqueles que sabem que os distintos senadores impediram uma ruptura democrática. Mas imaginem um suposto governo Temer. Neste vocês sofrerão dupla pressão. Dos eleitores de Dilma, que se sentirão traídos, e dos que a odiavam quando era a mandante e transferirão este ódio para quem ficar com o poder.

Lembrem-se que Michel Temer nunca conseguiu unir seu partido, o PMDB, e nem mesmo sua família - pois sua própria filha acha o impeachment algo negativo. Ele não vai conseguir unir o país. Não se esqueçam que sua popularidade é menor que a de Dilma. E o pior está por vir. Muitas pessoas foram alimentadas com ilusões sobre a saída do PT do governo. Muitas dessas pessoas são pobres e tiveram uma aumento no poder de consumo justamente a partir do primeiro governo Lula.

Sabem o que vai acontecer quando essas mesmas pessoas perceberem que, num governo Temer, a situação vai piorar para elas ao invés de melhorar? Se engana quem pensa que eles farão um exame de consciência e tentarão aprimorar seus conhecimentos políticos. A maioria dificilmente o fará. A reação será rápida, instintiva e brutal. Vão jogar toda a culpa em vocês, por tirarem a Dilma e não neles mesmos. Por quê? Porque é isso que seres humanos fazem quando se sentem acuados ou enganados.


Se sentirão traídos e empurrarão toda a responsabilidade para cima de quem se aproveitou da boa vontade cívica deles, seja isso verdade ou não. E nem adianta virem com o discurso atual de que seguiram a "voz das ruas", porque essa virá com muita mais força após a queda de Dilma, somando-se os apoiadores do governo do PT com os seus detratores arrependidos. E, creiam-me, esses serão muito mais numerosos e surgirão bem mais rápido do que vocês possam imaginar.

Além disso, pensando a longo prazo, vocês vão querer que a História registre suas biografias ao lado de quem? De Lula e Dilma, presidentes eleitos democraticamente, famosos no mundo todo por combaterem a fome e a miséria ou de Michel Temer, o vice que traiu a presidente e seus eleitores, e Eduardo Cunha, o verdadeiro cabeça do processo de impeachment, que reconhecidamente aceitou e votou o pedido de impeachment para se proteger de provas incontestáveis de corrupção? Eduardo Cunha, cuja corrupção transcende a dicotomia de poder entre PT e PSDB, e remonta à era Collor? É ao lado deste homem que seus nomes ficarão gravados para sempre.

Não adianta o quanto argumentarem no futuro dizendo que o processo foi legal. Minha mãe costuma dizer um velho ditado que ouvia do pai dela para se referir a qualquer coisa cuja aparência incólume ocultava um conteúdo podre:

"Por fora bela viola, por dentro pão bolorento."



Ainda que o Presidente da Câmara e seus aliados tenham dado ao impeachment uma aparência de legalidade, ele começou contaminado por um desejo de vingança pessoal egoísta e evoluiu aos olhos do país e do mundo para uma enorme fraude antidemocrática, onde os únicos objetivos são proteger corruptos e dar novamente o controle do Poder Executivo a um restrito grupo de plutocratas, cujos candidatos nunca venceriam uma eleição com voto popular.

Não é difícil entender essa manobra. Durante a partida entre Vasco e Flamengo, no domingo, 24 de abril, o público presenciou uma cena inusitada. O zagueiro Luan do Vasco estava com a bola a seus pés. Com uma embaixadinha, ergueu-a no ar e recuou para o goleiro Martín Silva com uma cabeçada, ainda que alertado pelo seu companheiro de zaga Rodrigo para que o fizesse. O juiz marcou falta e tiro livre indireto.

A confusão foi estabelecida porque a regra diz que um goleiro não pode pegar com a mão a bola recuada por um jogador do seu time se ele fizer o recuo com os pés. Mas Luan usou a cabeça. Então, por que o árbitro considerou o lance uma infração? O comentarista de arbitragem explicou a punição:

 "Ele burlou o espírito da regra".




 De fato, o zagueiro do Vasco empregou um artifício, a embaixadinha, para levar a bola dos pés até a cabeça. Ele não cabeçeou diretamente como de hábito. Portanto, mesmo que tenha feito como manda o figurino, estava errado pela interpretação do juiz, pois o fez de má fé. E não é exatamente isso o que o "malvado favorito" de muitos falsos moralistas tem feito? Eduardo Cunha empregou má fé durante todo o processo de impeachment, o que por si só tira todo o seu valor como uma ação que teoricamente deveria ser uma restauração da justiça e não uma corrupção da mesma.

A lei sobre o impeachment não foi feita somente para servir de enfeite. Ela serve aos interesses da população, através da justiça empregada pelo Poder Legislativo. Fazer uso dessa lei como uma defesa de interesses particulares, alguns sob suspeita de estarem fora da lei, é, por si só, um crime contra todo o Brasil.

O Presidente da Câmara dos Deputados burlou o espírito da regra para atingir a Presidenta da República. Se o Senado não retificar o erro gravíssimo da Câmara estará tornando-se historicamente cúmplice de uma fraude cuja principal vítima é, não Dilma, mas o povo brasileiro.



Imagens:

Viomundo
G1
Marcio Baraldi
Los Angeles Times
O Globo