quinta-feira, 14 de abril de 2016

O PERIGO DO SENSO COMUM


14/04/16
Coluna: Cotidiano Manifesto
Autor: Valeria Vianana



O poeta mexicano Eráclio Zepeda dizia que, “quando as águas da enchente descem e cobrem a tudo e a todos, é porque de há muito começou a chover na serra. Nós é que não nos demos conta”.  Dito de outro modo: quando o Eduardo Cunha é chamado pelo Silas Malafaia para dar um culto sobre dignidade, e as pessoas que ali estão não se insurgem contra ele, é porque alguma coisa está acontecendo com o mundo (e coisa boa não pode ser).

Por isso, hoje, quero falar um pouco sobre o óbvio (senso comum) e a sua principal característica: o poder de ocultamento! De fato, o óbvio gera sobre a pessoa um poder de paralisia intelectual, isto é: diante dele inexiste dúvida. Por isso que o senso comum não tem dúvida sobre nada; para o senso comum, tudo é... óbvio. Vejamos um exemplo. Amiúde, ouvimos que a culpa da violência é porque, no Brasil, “ninguém é preso” e,também, porque as crianças e adolescentes são livres para cometer crimes, já que se beneficiam da “menoridade penal”.

O que passa inadvertido é que o Brasil é o país, no mundo, com a quarta maior população carcerária do mundo (e estamos caminhando para sermos o primeiro lugar nesta triste estatística). E em relação às crianças e adolescentes, por exemplo, 1% dos homicídios são praticados por eles. Moral da história: o discurso da impunidade e da redução da maioridade penal como uma solução para redução dos crimes é o discurso do senso comum!!! Na verdade, a impunidade e a redução da maioridade como solução para os males que atormentam o mundo não passa de um mito;

O mesmo acontece, vejam, com a pena de morte. Afinal, a pena de morte intimida ou não intimida? A primeira resposta que nos vem à cabeça é que sim; mas há uma questão que passa despercebida: não existe nada que possa “medir” isso. Vejam: se a lógica é que alguém que comete um crime jamais o cometeria se soubesse que seria condenado à pena de morte, então o que explica o fato de que nos países em que há pena de morte constatou-se que 30% dos homicidas costumam se suicidar? Vemos, portanto, que se existe um efeito intimidativo (acredito que exista mesmo) este é, de acordo com as pesquisas, sobre um modesto número de homicidas.

E o que dizer do famoso caso do “vampiro” de Dusseldorf? Foi provado que, enquanto o homicida cometia os crimes, mais de 200 pessoas (gravem bem  isso: mais de 200 pessoas!) se apresentaram à polícia, afirmando-se autores dos homicídios (mesmo sabendo que seriam condenados á pena de morte). Por fim, há, ainda – e isto não é invenção minha – casos de pessoas que praticaram crimes porque desejavam morrer, como foi o exemplo de Sirham Bishara e Gary Gilmore, para citar apenas estes dois exemplos. Por fim – e o mais óbvio – é que a pena de morte, na maioria dos países que a adotaram, não diminui o número de crimes!

Desejo, com tudo isto, demonstrar apenas uma coisa: o perigo do óbvio, ou seja, não pretendo provar nada contra nem a favor da pena de morte; apenas desejo demonstrar os perigos do senso comum.

Por isso encerro com a “estória” do furto de carteira e a pena de morte. Conta-se que, diante do aumento de furtos, o Governo local instituiu a pena de morte para furtos de carteiras, cuja pena seria o enforcamento em praça pública. No dia seguinte, houve o primeiro caso de furto de carteira. Diante disso, dois dias depois, marcaram a data para o enforcamento na praça pública. E o que se percebeu ali? O dia em que aconteceu o enforcamento foi o dia da história daquele país em que mais ocorreram furtos de carteira. Por quê? Porque enquanto o público assistia ao enforcamento, os batedores de carteira aproveitaram a distração do público para furtá-los.

Imagens:
Estudopratico.com
Laparola.com