27/02/16 Coluna: Ultima Nota Autor: Jean Pierry Leonardo
Sempre com um forte posicionamento, falas e postura
feminista em seu trabalho artístico – para além de clipes, músicas e
apresentações – a cantora Beyoncé resolveu ir mais longe ao seu lado militante
e trouxe a tona um videoclipe onde denuncia fortemente o racismo e abusos de
violência policial sofridos pela população negra e periférica, nos EUA, por
parte de policiais brancos.
Lançado de surpresa no dia 06/02/16 – virou sua
especialidade essa característica -, “Formation” chegou colocando o “dedo na
ferida”, justamente no meio de duas situações bem peculiares e importantes para
os americanos: a final do campeonato de futebol americano, conhecido como Super
Bowl, e no meio da mais concorrida disputa presidencial entre Democratas e
Republicanos, para ocupar o lugar de Barack Obama na Casa Branca. Isso tudo
porque o clipe mostra como a população negra de Nova Orleans sofreu com as
consequências do furacão Katrina, em 2005, além de também reverenciar os
protestos do movimento “Black Lives Matter”, que balança o país há um ano e
meio, desde a morte do adolescente Michael Brown. Desarmado, ele foi morto a
tiros por um policial branco (inocentado) em Ferguson, no Missouri, caso
seguido por vários episódios semelhantes em outras cidades norte-americanas.
Cheio de referências, “Formation” estampa
alusividade a personagens e movimentos históricos na luta pela igualdade racial
nos EUA, como o pastor Martin Luther King Jr. (com referências ao histórico
discurso “I Have a Dream” / “Eu Tenho um Sonho”), ao movimento Black Panther
(Panteras Negras), organização fundada em 1966, com o intuito de proteger
moradores dos guetos negros da Califórnia contra a brutalidade policial, e a
Malcom X, líder negro responsável direto pela aprovação da Lei de Direitos
Civis que proibia a segregação racial e o linchamento dos negros. O single
também pode ser considerado um hino de bravura, reconhecimento, pertencimento,
resistência, orgulho e exaltação pela origem negra – de Beyoncé e da história
de seu país.
Revestido por inúmeras simbologias e uma verdadeira
“aula” de semiótica, Beyoncé traduziu e foi fundo em toda a sua revolta e
descontentamento pela maneira como seus pares afro-americanos são tratados na
América. Mais do que isso: a artista busca dar voz a quem não tem, levando
consigo a responsabilidade de chamar a atenção para algo que não querem falar.
Ou insistem em não enxergar. Mas que vitima inocente, com a mesma facilidade
que ela tem pra cantar e dançar. Para
isso, não tinha melhor oportunidade do que apresentar-se ao vivo no maior
evento esportivo e recordista de audiência nos EUA: a final do “Super Bowl 50”.
No dia seguinte ao lançamento do novo clipe.
Assistida por mais de 114 milhões de pessoas
(segunda maior audiência já registrada numa final de campeonato em 50 anos) e
megalomaníaco, como sempre, a atração foi o estopim para que a apresentação de
Beyoncé suscitasse incômodo, revolta, gerasse protestos, pedidos de boicote à
cantora, a NFL (liga norte americana de futebol), discursos de ódio entre
(alguns) telespectadores e a indignação de políticos mais conservadores
(Republicanos, diga-se de passagem). Resultado: segundo relatórios divulgados
pelo Washington Examiner, oficiais da polícia chegaram até mesmo a desligar
seus televisores durante o Halftime Show para não ouvir Beyoncé cantar sobre o
tema. No Facebook, membros da Associação Nacional dos Xerifes disseram ter
baixado o volume e virado as costas para a televisão no momento da performance.
Rudolph “Rudy” Giuliani chegou a declarar que “foi
revoltante ela usar o show como uma plataforma para atacar policiais que são as
pessoas que a protegem e nos protegem, nos mantêm vivos”. Isso porque Queen B não economizou durante
sua perfomance. Convidada de honra da banda Coldplay, assim como Bruno Mars,
ela convocou seu “exército” de bailarinas e juntas se apresentaram com roupas à
la Panteras Negras. Estas, ainda formaram um enorme “X” no gramado do estádio
numa clara referência a Malcom X. Para quem ainda não entendeu o porquê de
tanto rebuliço, é simples: o Super Bowl não somente é uma “overdose” e
fanatismo nacional – tão importante que o país inteiro, quase que literalmente,
para. E seus ingressos chegam a custar R$ 5 mil reais – como também é
majoritariamente assistida e praticada por brancos.
Sinceramente, isso foi a melhor sacada de Beyoncé.
Apesar de muitas críticas pela chance “oportunista” que atribuem a ela de fazer
de um evento esportivo uma plataforma para suas aspirações político sociais, é
inegável que a mesma tenha o direito de se expressar quando e onde quiser.
Aliás, cabe aqui julgar os inúmeros comentários de que ela não teria
propriedade para discutir racismo, por ser uma celebridade rica que só está
atrás de atenção. O “mito” que sempre lhe foi empregado – assim como para com
muitos outros artistas negros, sejam cantores, atores, apresentadores etc – de
“esbranquiçá-los”, pois interessam ao desejo e peculiaridades do bel prazer
alheio, é um problema pessoal de cada um daqueles que insistem em renegar ou
não atribuir à negritude que cabe a Beyoncé e a quem mais quer que seja.
Beyoncé nunca pediu para ser “a negra que parece
branca porque os brancos assim o enxergam e/ou querem”. Para estes, saibam: a
artista é nascida em Houston, no Texas, de pais oriundos de Louisiana e do
Alabama, dois estados do sul marcados pelo passado escravocrata. Logo, todo e
qualquer discurso profanado de que sua riqueza é demérito para não
assegurar-lhe responsabilidades, o dever ou a propriedade para contribuir com
força a uma causa emergente, é utopia. Pior, é burrice. Portanto, “Formation”
marca uma nova e (ainda) mais combativa fase de Beyoncé, que não teme ser
perseguida e cair no ostracismo como fizeram com Nina Simone, nos anos 60.
Aliás, à despeito disso, fica a dica: todos os 16 shows marcados em estádios
para a “The Formation World Tour”, encerraram-se em 48 horas. Afinal, como ela
canta no novo “hino”: “Ganhei esse dinheiro todo, mas nunca abandonei minhas
raízes”.
Imagem 1: Reprodução
Imagem 2: Reprodução