20/02/16 - Coluna: Segunda Tela Autor: Jean Pierry Leonardo
Uma série que apostou num artista brasileiro pop,
mundialmente conhecido, que é empresariado por sua mulher, que também é sua
bailarina, onde juntos enriquecem e mudam-se do subúrbio do Rio de Janeiro
(Madureira), para o novo oásis da Zona Oeste da cidade, a Barra da Tijuca. Mas
sem deixar o subúrbio sair de si. É, simplificando desse jeito, que Mr Brau
discorreu suas histórias ao longo dos últimos seis meses na tela da Rede Globo.
Protagonizada por Lázaro Ramos e Taís Araújo, “casal 20” e eternos parceiros
dentro e fora dos palcos, a produção já chegou ao ar com a responsabilidade de
substituir uma das maiores audiências das noites de terças feiras, nos últimos
quatro anos do canal: a finada “Tapas & Beijos”. E não decepcionou.
Criada por Jorge Furtado (também responsável por
Tapas & Beijos), Mr Brau apostou nos elementos Pops, em música e num humor
inteligente e sagaz para fazer rir, sem maiores recursos para isso. Com um
elenco afinado, que além de Lázaro e Taís, também tem Luís Miranda, Fernanda de
Freitas, George Sauma, Kiko Mascarenhas e outros como destaques, a série é um
grande diferencial e chamariz quando se pretende observá-la por uma ótica: a da
representação e cultura negra. Historicamente, os negros sempre foram
representados com papéis pequenos ou com semblantes estigmatizadores e
preconceituosos. Sempre foi comum vê-los como empregadas, motoristas,
porteiros, favelados, bandidos e tantos outros rótulos subalternos que lhe
foram acrescidos ao longo do tempo e incorporados como “normal” na nossa televisão.
Entretanto, depois da polêmica “Sexo e as Negas”, de
Miguel Falabella, outra produção global surge com essa simbologia, mas
justamente sob outra perspectiva. Ali, Brau (Lázaro) e Michele (Taís) são dois
personagens oriundos de uma situação de vida mais simples, que alcançam o
estrelato com a força de seus trabalhos e ascendem na vida, em todos os
padrões. Instalam-se numa mansão, no meio da Barra da Tijuca, bairro emergente
carioca e não acostumada com uma vizinhança negra mais abastarda, que fala
alto, tem gostos populares e sem a finesse da boa etiqueta. Não como muitos
gostariam. O mais interessante e bonito de se ver é como os criadores e
diretores exaltam a cultura negra, o protagonismo dos mesmos sem,
necessariamente, ter que tocar a todo o momento na questão do racismo.
Invariavelmente o tema do preconceito encontra vez
ali, principalmente, quando Andreia (Fernanda de Freitas) destila sua
ignorância para cima do casal, especialmente para Michele: mulher negra, que
apesar da origem humilde é tão culta como a vizinha, bonita e rica. Apenas por
despeito, pelos vizinhos serem famosos, ricos...e negros. Mas prender-se a isso
seria uma perda. E, inteligentemente, Mr Brau vai por outro caminho. O que
acontece já sabemos, então porque não mostrar o outro lado? Porque não tocar
naquilo que tem de melhor também?
Dessa forma, a série desfila e enaltece todos os
elementos que caracterizam a cultura negra. Com um Lázaro Ramos inspirado e uma
Taís Araújo no auge da forma, cada episódio nos brinda com uma história
recheada de modelos musicais e alegóricos negros. Seja nas musicas Pops e cheio
de referências a baianidade – propositadamente ou não - de Ramos, e que encontra eco nas
participações e influência de Carlinhos Brown, numa descontraída brincadeira
entre ficção e realidade, ou nas
aparelhagens musicais que já fizeram uso de tambores e outros acordes que soam
tribais. Além disso, a afirmação de toda essa representação negra marca
presença nos incríveis figurinos utilizados pelos personagens. Brau, sempre
exótico e confiante, usa e abusa de roupas coloridas, com estampas africanas e
muitos acessórios. Já Michele, é a encarnação do empoderamento da mulher negra.
Dona de si, a empresária/dançarina aposta no mais armado possível do seu cabelo
afro, muito bem cultivado,crespo e por vezes, envolto sob faixas coloridas.
Suas roupas também são um personagem à parte. A
maioria de seus vestidos, collants, calças e outras peças do vestuário tem
presença de estampas de animais africanos -
especialmente os listrados que lembram zebras - , seus colares e
turbantes são do tipo artesanais e com referências fortemente africanas. Fora a
mansão, também emoldurada com os mesmos elementos aqui e acolá. Mais do que
importante, todas essas características - encontradas ainda nas falas dos
personagens – cultivam um ar de respeito, igualdade, confiança e orgulho da
raça. Orgulho esse que, na maioria das vezes, é rechaçado como algo menor ou
pequeno diante da “euro-norte americanização” de nossa sociedade e televisão.
Mr Brau chegou num momento crucial, oportuno, onde o tema está cada vez mais
latente e preocupante. A própria Taís Araújo foi vítima de preconceito
provocado pela sua personagem na serie. A atriz mostrou-se firme diante dos
ataques sofridos na internet, registrou o caso na polícia e seus agressores
estão sendo procurados. Além dela, vimos recentemente outras artistas passarem
pela mesma situação: Maria Júlia Coutinho (Maju), Cris Vianna, Sheron Menezzes
e Paula Lima. Todas mulheres, todas negras, todas empoderadas, todas famosas.
Melhor do que levar para o horário nobre todas essas
figurações que compõem e exaltam o sentimento de orgulho, representação e
valorização da cultura negra, Mr Brau prova que não é preciso fazer “mais do
mesmo”, quando se pode fazer melhor e diferente. Ter audiência é preciso e
necessário, mas a Televisão também tem a responsabilidade de fomentar e prestar
serviço, principalmente quando falamos do segundo país que mais assiste TV no
mundo, atrás apenas dos EUA. Nosso principal meio de informação ainda é a
Telinha, mesmo com o advento das redes sociais. Isso aumenta a
responsabilidade, mas também cria empatia, na medida em que trás consigo essa
simbologia tão importante num momento ímpar do negro no Brasil, cada vez mais
assumindo seus cachos e crespos, se afirmando nas universidades, nas artes, mas
também ainda sendo os mais criminalizados no país. Talvez, por toda essa aposta
de sucesso, e sem subestimar a capacidade do público de compreender a mensagem
que querem passar por detrás de tudo isso, que Mr Brau estreou com a maior
audiência de 2015 na Rede Globo, com 25 pontos, e manteve as médias nos
capítulos seguintes, se afirmando como um dos cinco programas mais vistos na
grade, especialmente no Rio de Janeiro. Prometendo voltar em 2016 com mais
força, mais graça e melhor do que nunca.
Foto Mr Brau 1: Logotipo Mr Brau (1° foto do texto)
Foto Mr Brau 2: Sérgio Zalis/ TV Globo (2° foto do texto)
Foto Mr Brau 3: Carol Caminha / Gshow (3º foto do
texto)
Foto Mr Brau 4: Raphael Dias/Gshow (4º foto do
texto)