quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Questão Rouanet sob o olhar da CM


24/02/16   -    Coluna: Cultura Manifesta   Autor: Israel Esteves

Com repercussão nacional, um assunto que já vinha de polêmicas, volta à tona, e a coluna amante das artes independentes não poderia deixar de tocar nele. Pra ficar com a cara da CM (Cultura Manifesta), convidei os também amantes da arte, o jornalista Felipe Migliani, o MC e produtor cultural Nyl e o músico, produtor musical e empresário Guilherme Benaion, a darem suas opiniões quanto às polêmicas, conceitos da lei e visões sobre a questão Rouanet. Acompanhe as palavras do pessoal.


O que é a Lei Rouanet para você?

Felipe Migliani - Jornalista nos sites Momento da Bola, Festival Marginal e Manifesto.

"A lei surgiu para educar as empresas e cidadãos a investirem em cultura, e inicialmente daria incentivos fiscais, pois com o benefício no recolhimento do imposto a iniciativa privada se sentiria estimulada a patrocinar eventos culturais, uma vez que o patrocínio além de fomentar a cultura, valoriza a marca das empresas junto ao público. A lei possui pontos negativos como a possibilidade de fundos serem desviados impropriamente e falta de investimento direto na cultura. Ao invés de investir diretamente em cultura, começou a deixar que as próprias empresas decidissem qual forma de cultura merecia ser patrocinada. Os incentivos da União (governo) à cultura somam 310 milhões de reais: R$30 milhões para a Funarte e R$280 milhões para a Lei Rouanet (porcentagem investida diretamente pela União), enquanto o incentivo fiscal deixa de adicionar aos cofres da União cerca de R$ 1 bilhão por ano... Existe um projeto na câmara dos deputados chamado Procultura, que moderniza e aumenta a distribuição dos recursos de incentivo à cultura, fortalecendo as áreas do Norte e do Nordeste. Com isso, o produtor cultural de pequeno porte como o cidadão ou empresa com receita bruta de até R$ 1,2 milhão ao ano. O Procultura também fortalece o Fundo Nacional de Cultura, fazendo o repasse de cada incentivo dado à lei para o fundo. Assim, O Procultura atuará em dois eixos: democratiza e redistribui recursos da Lei Rouanet".

Qual sua opinião quanto a polêmicas relacionadas a aprovações a artistas que teriam condições financeiras de arcar com os custos de seus projetos?


Nyl - MC e Produtor Cultural

"Acho que a discussão tem que ser amplificada pra toda população, pra quem faz cultura e pra quem consome. Principalmente por se tratar de dinheiro público. Os chamados artistas grandes usam desse recurso porque a lei não os impede. Um artista midiático e um artista menos conhecido conseguem aprovação na Lei Rouanet, a grande questão é a hora da captação do dinheiro. Se o dinheiro disponível não for captado dentro daquele período, ele volta pros cofres públicos. As empresas querem visibilidade de marca e a grande maioria não tá se importando com legado cultural, democratização de acesso e etc. Qual desses artistas conseguem empresas que só querem ser vistas por todo mundo? Pra se fazer Cultura, é preciso um olhar mais humano e 95% das empresas não tem esse olhar e ao mesmo tempo acabam dando as cartas nesse segmento.

Outro ponto a se questionar é o valor do produtor cultural das favelas e do produtor de grandes eventos. Os editais que vem com a proposta de atender as demandas culturais das favelas e territórios populares têm um valor muito mais baixo do que o destinado para grandes eventos. Se for pra diminuir as desigualdades, por que não distribuir o dinheiro de 1 biografia da Claudia Leitte ou de um Rock in Rio na mão de 3 atividades culturais que já acontecem, já existem e sobrevivem com muita luta sem esse dinheiro?

Um dos grandes desafios para o setor cultural é uma reforma na Lei Rouanet que garanta e amplie o acesso que todos têm de colocar seus projetos e conseguir aprovação. Que haja uma avaliação com melhor senso e menos olhar mercadológico. Dinheiro é necessário e é preciso chegar à ponta, pra quem vive a realidade da maioria da população e faz cultura na prática".

Em relação a empresas responsáveis pelos investimentos nos artistas, acredita que além do interesse nas renúncias fiscais, podem apoiar projetos de qualidade, visando apenas enriquecimento cultural?



Guilherme Benaion -  Guitarrista da banda Vendo meu Sofá Vermelho, Dono do Espaço 989, Músico, empresário, produtor musical. Já atuei em bandas de diversos estilos, desde metal (Eternyx como o mascarado Sarlik) até bandas de baile (Mazzoni e a Máfia). Formado pelo Conservatório Brasileiro de Música em Musica e Tecnologia, Licenciatura em Musica, cursando Engenharia Mecânica na UERJ.

"Não, acho que seria hipocrisia.

Você se fosse dono de uma empresa investiria na sua banda?

Se pensarmos pelo aspecto de alguém que precisa que seu projeto seja apoiado, acho que a galera tem que começar a oferecer mais do que simplesmente a renuncia fiscal (através da Lei). A galera se acomodou depois que a lei saiu. Procura simplesmente a parte do apoio visando a autopromoção, o que na verdade deveria ser o contrário. Se você está atrás de apoio de alguma empresa você deve oferecer à empresa algo que possa interessar ao investidor. Mas isso é só parte do processo final.

Comecemos de novo. Vamos ver o processo que uma banda passa até pedir investimento.

Primeiro criar a banda e chamar a galera para tocar que isso é o principal, mas aí estamos na brincadeira, né... Quando o assunto fica sério devemos assumir uma postura séria. Transformar os ensaios em algo que possa tornar o seu produto de venda atrativo aos seus compradores (futuros compradores). Definir qual seu público, pensar em alternativas de marketing (Facebook, Youtube, internet em geral). A grande genialidade está em conseguir tornar sua música algo bom para você e para os outros. Estude, pesquise. Existem bandas de estilos bem diferentes com ideias bem definidas sobre isso, podemos citar banda como Memora, Canto Cego, Verbara, Cândido, Far from Alaska, Stereophant, essa galera sabe o que está fazendo e cada passo é friamente calculado e estudado. O show... Bem... Você pensa em como anda o show da sua banda? O show deve ser feito de forma a criar o maior envolvimento com o público e que você possa mostrar a identidade da banda que você criou da forma mais eficiente possível, pois o show é a forma mais direta de apresentação do seu produto. Já assistiu a um show da Mobile Drink? Quando você assiste, você consegue exatamente definir o que é a banda, qual seu conceito. Posso dizer o mesmo sobre outras bandas como: Quarto Teto, Soundbullet, Banda Gente (que showzaço!). Tá, depois disso tudo, com essas coisas, o que falta para conseguir patrocínio? Falta muito... Quantas pessoas conhecem a sua empresa (Banda)?  O logo que vocês criaram define o conceito da banda? Bem vamos supor que tudo tenha sido feito corretamente até aqui, a pessoa tem uma banda, com um conceito definido, uma logo interessante e coerente, um show pensado e de qualidade (e não estou falando sobre errar uma musica no palco), seu Facebook está sendo divulgado frequentemente, o mais importante, músicas que são gostosas da banda tocar e atingem o alvo exato que a banda toda focou. Agora é só escrever um projeto para ser aprovado na lei Rouanet e pronto? Ainda não... Você precisa captar empresas que vão te apoiar... Não adianta esperar sentado... Se você acha que seu projeto deva ser apoiado, corra atrás, vá até as empresas com o projeto escrito e mostre que a sua banda pode trazer para elas algo interessante. O processo do Crossfunding é um bom exemplo de produtos que você pode oferecer em troca de investimento (procure alguns sites e divulgue). Sinto falta da galera que corre atrás fisicamente. Lembro quando toquei no Projeto G6 Orquestra de guitarras (uma orquestra de guitarras que tinha como objetivo mostrar lados diferentes da guitarra na música), fomos até Petrópolis, Teresópolis e Friburgo para conseguir algum tipo de apoio, e lá em Friburgo fomos extremamente bem recebidos e conseguimos o apoio que queríamos. Muitos recusaram, óbvio, mas em coisa de 3 meses de procura conseguimos o apoio que queríamos, tocamos no festival de inverno e fizemos uma série de shows na cidade. Mas se ficássemos somente pela internet seria (acredito eu) muito mais difícil de conseguir o que conseguimos por lá. O projeto hoje não existe mais, mas não foi por causa de apoio e sim por problemas internos.

Com isso, acho válida a pergunta que fiz lá em cima. Você se fosse dono de uma empresa investiria na sua banda?"

Bom, com um tom mais leve como de uma conversa, espero ter dado uma boa contribuição ao assunto. Agradeço a todos que deram suas opiniões e aos leitores. Eu sou Israel Esteves e lhes deixo mais uma Cultura Manifesta. 


Fotos: Jéssica Andrade, Rubens Achilles