Coluna: Segunda Tela Autor: Jean Pierry Leonardo
Uma novela especial. Exatamente assim pode-se
definir "Sete Vidas", trama das 18h, da "Rede Globo".
Escrita por Lícia Manzo (de "A Vida da Gente"), o folhetim destaca-se
por falar com muita maestria, inteligência e sensibilidade das relações
humanas. Se propõe a pôr em debate tudo aquilo que nos cerca em nosso dia a
dia, em diversos contextos familiares, mas sempre a partir daquilo que menos
valorizamos, atualmente: o diálogo.
Além disso, Sete Vidas tem um casamento perfeito em
todas as suas instâncias. O elenco é primoroso, os cenários são lindos e
intimistas, as interpretações saltam aos olhos com tamanha simplicidade. É
realmente difícil encontrar defeitos. Mas se você não assiste a novela ou quer
entender melhor porque ela é tudo isso, saiba mais sobre sete motivos que
tornam Sete Vidas algo tão singular das demais.
1. Diálogos
Fortes
Foto: Reprodução
Discutir a relação, também conhecida como DRs. Sete
Vidas enriquece nossa televisão quando "chama" o público para as
reiterações de uma relação. Com um texto inspirado, rico, mas que poderia
também facilmente cansar o telespectador, os diálogos de cada cena do folhetim
constituíram um verdadeiro "personagem" à parte. Talvez essa seja a
maior característica de Lícia, que usa e abusa das palavras.
É tudo muito suave. Até mesmo nos
"barracos". Os personagens apresentam diferentes qualidades e
defeitos, existem na mais simples e complexa personificação humana, e
absolutamente tudo, se resolve num bom diálogo. Cada conversa, discussão, bate
papo matinal é delicioso. Seja aquelas entre primas, entre mães com filhos no
parquinho da praça, as de reuniões do trabalho. É sutil. É maravilhoso. Dá
gosto de ver e ouvir.
2. Personagens Masculinos Frágeis
Mulheres, símbolos do sexo frágil. Só que não. Em
Sete Vidas são os homens que denotam essa característica. A autora lançou
mão de personagens masculinos com todos os defeitos e fragilidade possíveis. São
dependentes. São fracos. São complexos. É uma interessante inversão de papel.
Isso faz de Pedro (Jayme Matarazzo) um mocinho que de príncipe encantado, não
tem nada. Por vezes, passa o ar superior de dono da razão, chato e covarde por
ter desistido de viver seu amor. Não alicerça relação parental com Miguel
(Domingos Montagner), a quem nega muita das vezes qualquer semelhança, mas que no
fundo é como o pai biológico. Sim, porque este também é complicado. Foge de
tudo e de todos. Tem verdadeira repulsa por afetividade, casamento, filhos e
afins. Resolve seus problemas fugindo, navegando pelos mares. Cansa e irrita o
público.
Luís (Thiago Rodrigues) é um gentleman: educado,
bonito, bom pai, bom filho e bom profissional. Só que tanta bondade também faz
dele alguém sensível demais, bobo até. Tem sempre explicação para tudo, é
extremamente compreensível, mas cede as situações mais graves como as de sua
louca irmã gêmea, Laila (Maria Eduarda de Carvalho). E as suas também. Temos ainda Lauro (Leonardo Medeiros) com seu
eterno companheirismo e mansidão com Miguel, e que atualmente sofre por
separar-se de Isabel (Mariana Lima), Arthurzinho (André Frateschi) que não sabe
dizer não a sua mãe, Vicente (Ângelo Antônio) com sua eterna paciência,
sensibilidade e simplicidade.
Pode soar clichê muitas das vezes. Mas nada disso é
capaz de ser menos atraente para quem assiste. Pelo contrário. É tudo tão
simples, existencial e emocional, que aproxima. Encanta.
Foto: Divulgação
Sete Vidas retrata o cotidiano. Ora, mas toda ficção se baseia na realidade - com licença da liberdade poética - e faz daquilo um ingrediente para sua história. Sim, verdade. Mas nessa novela é diferente. A sensibilidade das ações, das relações, as vicissitudes de cada personagem conferem um ar muito próximo, daquilo que conseguimos enxergar em nós mesmo. Nos outros. A delicadeza presente te faz "degustar" sem pressa de acabar. É a busca pela resolução, pelo enfrentamento de tudo e todos a partir do aprendizado de suas próprias experiências. Isso que cativou o público. Por vezes é quase que didático, como um folhetim de auto ajuda, tipo aqueles livros que se enfileiram aos montes pelas livrarias, mas que consegue captar o essencial e transformá-lo em algo sensacional. Lindo.
Melhor de tudo é que Lícia Manzo conseguiu driblar
os "patrulheiros da vida, ordem e conservadorismo alheio" e aborda
temas que causam polêmica, sem ser "agressiva". Homossexualidade,
traição, doação de esperma, inseminação artificial, entre alguns outros, são
vistos naturalmente inseridos e perpassados entre nós. Sem gritos, sem
melindres, sem reservas, preconceito ou acusação. Apenas existe. Com a
normalidade que deveria ser.
4. Ausência de Vilão(ã)
Atualmente, os vilões são os personagens mais
queridos das novelas. Sim, apesar de cometerem maldades, eles movimentam mais
as tramas, mostram mais facetas - qualidades (quando existem) e defeitos - do
que os mocinhos, já ostentam um ar que flerta com o engraçado, o escárnio do
humor negro e lançam bordões e torcidas por aí. Peça, portanto, fundamental de
uma telenovela. Pode ser, mas não em Sete Vidas. O "xeque mate" dela
é esse. Não ter vilão para contar uma história. Na vida ele(a) não vem sob a
forma de uma pessoa especificamente, a vilania se apresenta no dia a dia, sob
todas as formas, todos os tipos, pessoas e perfis. Em Sete Vidas, são as dores
(de amores e desilusões amorosas), as perdas (pessoais e profissionais), a
amargura, o sonho, o desejo, a ambição, são sentimentos e emoções que fazem
esse papel. Mais humanamente representativo, seria impossível.
5. Atores e Personagens
Uma novela só é sucesso se conseguir contar uma boa
história, mas também quando reúne um time de estrelas. Sim, Sete Vidas
conseguiu as duas coisas e com uma exclusividade difícil de ser vista e
alcançada. Muitos atores ali são desconhecidos do grande público ou não
atuam tanto como outros, por exemplo, Malu Galli (Irene), Mariana Lima
(Isabel), Gisele Fróes (Marta), Bianca Comparato (Diana), Taís (Maria Flor),
entre outros. Mas isso não significou falta de simpatia e carisma. Pelo
contrário. Cada artista escalado está "fazendo miséria" com seus
personagens. Entranharam com muita propriedade - talvez além da relação
ator/personagem - os seus respectivos papéis.
Fora isso, como não ficar admirado com o talento e
maturidade, sem falar da experiência, de Débora Bloch, Domingos Montagner,
Regina Duarte, Isabelle Drummond, Jayme Matarazzo, Ângelo Antônio, Walderez de
Barros... Conseguiram envolver e dividir a todos nós. Assim também como fica
visível que trabalham felizes e seguros do que têm nas mãos, na medida
perfeita, sem apelação. Timaço!
Como não amar?! De nacional a internacional tem
Tiago Iorc, Maria Gadú, Luiza Possi, Bob Dylan, Cazuza, Tom Jobim, Marisa
Monte, Caetano Veloso, Cássia Eller, Titãs, Legião Urbana...melhor ouvir do que
falar:
(Tiago Iorc)
(Marisa Monte)
(Bob Dylan)
7. Autora
Lícia Manzo: discípula de Manoel Carlos
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Não poderíamos listar todas as qualidades e
responsáveis por esse primor de dramaturgia, sem citarmos Lícia Manzo. A autora
é uma das novas - e gratas - novelistas da renovação - necessária - que a Rede Globo propõe há alguns anos. Mesma
responsável por "A Vida da Gente" (novela das seis mais exportada,
até hoje, para o mundo), ela já tinha mostrado seu valor, aquilo que era capaz
no seu début. E conseguiu se superar. A profissional tem o dom das palavras, do
seu conhecimento linguístico e sensível, poético até, muito ímpar.
Qualquer semelhança com Manoel Carlos não é mera
coincidência. Manzo tem em Maneco, como carinhosamente o autor é chamado, sua
fonte de inspiração. Assim como o mestre, suas tramas focam no cotidiano, nas
relações de fraternidade, de amores, paixões, aquela coisa que parece fazer a
vida passar devagar. Que ensina, sem ser didático. Que apaixona sem precisar de
muitos recursos. Que te prende sem penitência - exceto quando acaba.
Entretanto, a semelhança fica no estilo. Porque ela conseguiu imprimir toda a
sua característica, personalidade e identidade própria. Lembre-se: parecido não
é igual. Inspiração não é cópia, é referência.
Assim, Lícia Manzo "casou" muito bem,
obrigado, com o diretor Jayme Monjardim, que com seu olhar e modo de trabalho
peculiares - vide as cenas mais longas do que deveria, as conversas no café da
manhã, os quartos e cenários parecidos em sua estética, a cada novela - ajudam
a fazer de Sete Vidas, não apenas mais uma novela. Mas "A" novela, no
maiúsculo.
Com apenas 4 meses e indo para suas últimas semanas
(termina dia 10 de julho), Sete Vidas mostrou que menos, também é mais. Que não
precisa escandalizar, não precisa de sexo, polêmica, beijo gay (sem deméritos
para nenhuma outra produção), para ser boa. Basta valorizar o simples, ter um
bom diálogo, naturalidade, expressividade e sensibilidade, explorando a priori
dos sentimentos. Já está deixando saudades, e corações apertado.