segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sete motivos que fazem de Sete Vidas uma novela especial

29/06/15
Coluna: Segunda Tela  Autor: Jean Pierry Leonardo



Uma novela especial. Exatamente assim pode-se definir "Sete Vidas", trama das 18h, da "Rede Globo". Escrita por Lícia Manzo (de "A Vida da Gente"), o folhetim destaca-se por falar com muita maestria, inteligência e sensibilidade das relações humanas. Se propõe a pôr em debate tudo aquilo que nos cerca em nosso dia a dia, em diversos contextos familiares, mas sempre a partir daquilo que menos valorizamos, atualmente: o diálogo.


Além disso, Sete Vidas tem um casamento perfeito em todas as suas instâncias. O elenco é primoroso, os cenários são lindos e intimistas, as interpretações saltam aos olhos com tamanha simplicidade. É realmente difícil encontrar defeitos. Mas se você não assiste a novela ou quer entender melhor porque ela é tudo isso, saiba mais sobre sete motivos que tornam Sete Vidas algo tão singular das demais.
   
        1. Diálogos Fortes

                                             Foto: Divulgação   
                        
                                              Foto: Reprodução


Discutir a relação, também conhecida como DRs. Sete Vidas enriquece nossa televisão quando "chama" o público para as reiterações de uma relação. Com um texto inspirado, rico, mas que poderia também facilmente cansar o telespectador, os diálogos de cada cena do folhetim constituíram um verdadeiro "personagem" à parte. Talvez essa seja a maior característica de Lícia, que usa e abusa das palavras.


É tudo muito suave. Até mesmo nos "barracos". Os personagens apresentam diferentes qualidades e defeitos, existem na mais simples e complexa personificação humana, e absolutamente tudo, se resolve num bom diálogo. Cada conversa, discussão, bate papo matinal é delicioso. Seja aquelas entre primas, entre mães com filhos no parquinho da praça, as de reuniões do trabalho. É sutil. É maravilhoso. Dá gosto de ver e ouvir.

 2. Personagens Masculinos Frágeis


Mulheres, símbolos do sexo frágil. Só que não. Em Sete Vidas são os homens que denotam essa característica. A autora lançou mão de personagens masculinos com todos os defeitos e fragilidade possíveis. São dependentes. São fracos. São complexos. É uma interessante inversão de papel. Isso faz de Pedro (Jayme Matarazzo) um mocinho que de príncipe encantado, não tem nada. Por vezes, passa o ar superior de dono da razão, chato e covarde por ter desistido de viver seu amor. Não alicerça relação parental com Miguel (Domingos Montagner), a quem nega muita das vezes qualquer semelhança, mas que no fundo é como o pai biológico. Sim, porque este também é complicado. Foge de tudo e de todos. Tem verdadeira repulsa por afetividade, casamento, filhos e afins. Resolve seus problemas fugindo, navegando pelos mares. Cansa e irrita o público.

Luís (Thiago Rodrigues) é um gentleman: educado, bonito, bom pai, bom filho e bom profissional. Só que tanta bondade também faz dele alguém sensível demais, bobo até. Tem sempre explicação para tudo, é extremamente compreensível, mas cede as situações mais graves como as de sua louca irmã gêmea, Laila (Maria Eduarda de Carvalho). E as suas também.  Temos ainda Lauro (Leonardo Medeiros) com seu eterno companheirismo e mansidão com Miguel, e que atualmente sofre por separar-se de Isabel (Mariana Lima), Arthurzinho (André Frateschi) que não sabe dizer não a sua mãe, Vicente (Ângelo Antônio) com sua eterna paciência, sensibilidade e simplicidade.


Pode soar clichê muitas das vezes. Mas nada disso é capaz de ser menos atraente para quem assiste. Pelo contrário. É tudo tão simples, existencial e emocional, que aproxima. Encanta.

 3. Temas Cotidianos


                                                   Foto: Divulgação

                                              Foto: Divulgação/ TV Globo

                                             Foto: Divulgação 

Sete Vidas retrata o cotidiano. Ora, mas toda ficção se baseia na realidade - com licença da liberdade poética - e faz daquilo um ingrediente para sua história. Sim, verdade. Mas nessa novela é diferente. A sensibilidade das ações, das relações, as vicissitudes de cada personagem conferem um ar muito próximo, daquilo que conseguimos enxergar em nós mesmo. Nos outros. A delicadeza presente te faz "degustar" sem pressa de acabar. É a busca pela resolução, pelo enfrentamento de tudo e todos a partir do aprendizado de suas próprias experiências. Isso que cativou o público. Por vezes é quase que didático, como um folhetim de auto ajuda, tipo aqueles livros que se enfileiram aos montes pelas livrarias, mas que consegue captar o essencial e transformá-lo em algo sensacional. Lindo.


Melhor de tudo é que Lícia Manzo conseguiu driblar os "patrulheiros da vida, ordem e conservadorismo alheio" e aborda temas que causam polêmica, sem ser "agressiva". Homossexualidade, traição, doação de esperma, inseminação artificial, entre alguns outros, são vistos naturalmente inseridos e perpassados entre nós. Sem gritos, sem melindres, sem reservas, preconceito ou acusação. Apenas existe. Com a normalidade que deveria ser.

  

  4. Ausência de Vilão(ã)






Atualmente, os vilões são os personagens mais queridos das novelas. Sim, apesar de cometerem maldades, eles movimentam mais as tramas, mostram mais facetas - qualidades (quando existem) e defeitos - do que os mocinhos, já ostentam um ar que flerta com o engraçado, o escárnio do humor negro e lançam bordões e torcidas por aí. Peça, portanto, fundamental de uma telenovela. Pode ser, mas não em Sete Vidas. O "xeque mate" dela é esse. Não ter vilão para contar uma história. Na vida ele(a) não vem sob a forma de uma pessoa especificamente, a vilania se apresenta no dia a dia, sob todas as formas, todos os tipos, pessoas e perfis. Em Sete Vidas, são as dores (de amores e desilusões amorosas), as perdas (pessoais e profissionais), a amargura, o sonho, o desejo, a ambição, são sentimentos e emoções que fazem esse papel. Mais humanamente representativo, seria impossível.

 5. 
Atores e Personagens



                                              Foto: Divulgação


Uma novela só é sucesso se conseguir contar uma boa história, mas também quando reúne um time de estrelas. Sim, Sete Vidas conseguiu as duas coisas e com uma exclusividade difícil de ser vista e alcançada. Muitos atores ali são desconhecidos do grande público ou não atuam tanto como outros, por exemplo, Malu Galli (Irene), Mariana Lima (Isabel), Gisele Fróes (Marta), Bianca Comparato (Diana), Taís (Maria Flor), entre outros. Mas isso não significou falta de simpatia e carisma. Pelo contrário. Cada artista escalado está "fazendo miséria" com seus personagens. Entranharam com muita propriedade - talvez além da relação ator/personagem - os seus respectivos papéis.


Fora isso, como não ficar admirado com o talento e maturidade, sem falar da experiência, de Débora Bloch, Domingos Montagner, Regina Duarte, Isabelle Drummond, Jayme Matarazzo, Ângelo Antônio, Walderez de Barros... Conseguiram envolver e dividir a todos nós. Assim também como fica visível que trabalham felizes e seguros do que têm nas mãos, na medida perfeita, sem apelação. Timaço!

  6. Trilha Sonora


Como não amar?! De nacional a internacional tem Tiago Iorc, Maria Gadú, Luiza Possi, Bob Dylan, Cazuza, Tom Jobim, Marisa Monte, Caetano Veloso, Cássia Eller, Titãs, Legião Urbana...melhor ouvir do que falar:


                                     What a Wonderful World 
                                              (Tiago Iorc)                         

                                                 A Sua 
                                           (Marisa Monte)


                                          Blowin' in The Wind 
                                              (Bob Dylan)

  
  7. Autora


                                     Lícia Manzo: discípula de Manoel Carlos
                                             Foto: Divulgação


Não poderíamos listar todas as qualidades e responsáveis por esse primor de dramaturgia, sem citarmos Lícia Manzo. A autora é uma das novas - e gratas - novelistas da renovação - necessária -  que a Rede Globo propõe há alguns anos. Mesma responsável por "A Vida da Gente" (novela das seis mais exportada, até hoje, para o mundo), ela já tinha mostrado seu valor, aquilo que era capaz no seu début. E conseguiu se superar. A profissional tem o dom das palavras, do seu conhecimento linguístico e sensível, poético até, muito ímpar.

Qualquer semelhança com Manoel Carlos não é mera coincidência. Manzo tem em Maneco, como carinhosamente o autor é chamado, sua fonte de inspiração. Assim como o mestre, suas tramas focam no cotidiano, nas relações de fraternidade, de amores, paixões, aquela coisa que parece fazer a vida passar devagar. Que ensina, sem ser didático. Que apaixona sem precisar de muitos recursos. Que te prende sem penitência - exceto quando acaba. Entretanto, a semelhança fica no estilo. Porque ela conseguiu imprimir toda a sua característica, personalidade e identidade própria. Lembre-se: parecido não é igual. Inspiração não é cópia, é referência.

Assim, Lícia Manzo "casou" muito bem, obrigado, com o diretor Jayme Monjardim, que com seu olhar e modo de trabalho peculiares - vide as cenas mais longas do que deveria, as conversas no café da manhã, os quartos e cenários parecidos em sua estética, a cada novela - ajudam a fazer de Sete Vidas, não apenas mais uma novela. Mas "A" novela, no maiúsculo.


Com apenas 4 meses e indo para suas últimas semanas (termina dia 10 de julho), Sete Vidas mostrou que menos, também é mais. Que não precisa escandalizar, não precisa de sexo, polêmica, beijo gay (sem deméritos para nenhuma outra produção), para ser boa. Basta valorizar o simples, ter um bom diálogo, naturalidade, expressividade e sensibilidade, explorando a priori dos sentimentos. Já está deixando saudades, e corações apertado.