Coluna: Mulher Manifesto Autora: Priscila Silva
No último Mulher Manifesto tratamos do
tema Violência Obstétrica, e hoje, trouxemos um caso, com entrevista exclusiva
para o site. Saiba como a violência no parto quase tirou a vida da pequena
Maria Eduarda.
Amanda Alves já era mãe de dois filhos, Thiago e Milena, quando engravidou novamente de mais uma menina. Teve gestações saudáveis e partos normais, com ótima recuperação com os primeiros filhos, então tudo era favorável para que Dudinha viesse ao mundo da forma mais natural, de parto normal também.
Amanda Alves já era mãe de dois filhos, Thiago e Milena, quando engravidou novamente de mais uma menina. Teve gestações saudáveis e partos normais, com ótima recuperação com os primeiros filhos, então tudo era favorável para que Dudinha viesse ao mundo da forma mais natural, de parto normal também.
Com uma gravidez dentro da normalidade,
o bebê sadio, forte e pronto para vir ao mundo com toda tranquilidade, apenas
uma coisa chamava a atenção, o tamanho da criança. Amanda passou por todo seu
pré-natal, sem nenhum problema, em um posto de saúde na comunidade da Rocinha,
e o parto estava programado para acontecer no Hospital Miguel Couto.
“Já estava com nove meses, mas ainda não
estava com dores do parto, mas senti algumas cólicas. Eu sabia que não eram
contrações, depois de dois filhos você já conhece os sintomas do parto muito
bem. Não estava na hora, eu tinha certeza, mas aquelas cólicas me incomodavam,
eu não conseguia dormir, então resolvi ir ao médico ver se ele podia me dar
algum medicamento que aliviasse um pouco. Eu já estava com uma barriga enorme, cansava
à toa, e como sabia que não era a hora do bebê nascer, não fui à maternidade, e
sim ao hospital mais próximo de casa. Assim cheguei ao Hospital Federal de
Bonsucesso, e lá começou todo meu sofrimento”, relata Amanda.
Emocionada, ela me conta que chegando a
emergência e encaminhada diretamente para a maternidade do hospital, ao verem o
tamanho de sua barriga e concluindo que já estava na hora do bebê nascer, eles
a internaram. “Foi tudo muito rápido. Eu dizia que não estava com contrações, que
estava bem, e mesmo assim eles insistiam que meu bebê tinha que nascer. Eu não
queria me internar ali, não era o lugar que escolhi para ter minha filha, e eu
sabia que podia esperar para tê-la no local onde fiz todo meu pré-natal e onde
tinha todo o histórico de gestação dela, mas nesse momento em que você fica tão
vulnerável como não acreditar nas palavras dos médicos? Fiquei com medo de
acontecer alguma coisa se eu voltasse para casa sozinha e se não desse tempo de
ir à maternidade. Assim, fiquei ali, nas mãos daqueles médicos e enfermeiros
totalmente desconhecidos, orando para que tudo corresse bem”.
A partir daí, começaram a acontecer uma
série de violências contra a mãe e o bebê, que trouxeram traumas que até hoje,
quase três anos depois a fazem ficar com a voz embargada, e os olhos
lacrimejando ao relembrar. Como não tinha contrações, ela fora colocada no
soro, e dentro dele, em períodos curtos, doses de ocitocina (o tal medicamento
que serve para acelerar o processo de contrações) eram injetadas. Como pudemos
alertar na primeira matéria sobre Violência Obstétrica, a Ocitocina eleva os
níveis de dor nas contrações ao extremo. Além disso, não deixaram o pai da
criança entrar, alegando que a paciente só poderia ser acompanhada por alguém
do sexo feminino, outra arbitrariedade que vai contra o que diz a Lei
(abordamos o tema na matéria anterior. Para conferir, clique clique aqui). Então ela
permaneceu sozinha na sala, até que uma amiga finalmente pudesse chegar para
acompanhá-la.
“Doze horas em um trabalho de parto
totalmente provocado, em sofrimento extremo, sem me alimentar, sem água, já
ficando fraca de tanto forçar para minha filha vir ao mundo. Toques
recorrentes, o que aumentava muito o desconforto. A uma certa altura, ouvi um dos
médicos cogitarem a possibilidade de fazer uma cesárea, devido ao tamanho e
peso do bebê, que talvez pudesse não ter passagem para a criança, no que foi
duramente contestado, pois os outros diziam que eu já era mãe de dois filhos,
que era saudável e perfeitamente capaz de suportar o parto normal. Então eles
prosseguiram”.
Muitas doses de ocitocina e muito
sofrimento depois, o bebê começa a nascer. “De repente, senti que ela começava
a surgir, e num dado momento, um dos médicos simplesmente subiu em cima da
minha barriga e começou a apertar, no que eu quase fiquei sem ar, e quase
sufoquei de dor. Notei um clima de tensão no ar, como se eles quisessem acabar
logo com aquilo, mas estava cansada demais para perceber que algo estava
errado”. Então, finalmente, a Maria Eduarda veio ao mundo, com quase cinquenta
centímetros e pesando cinco quilos. Era tão grande que foi apelidada de “bebê
gigante” por todos do hospital.
Após o parto, geralmente há um misto de
alívio e felicidade para a mãe, mas não nesse caso. “Quando tudo acabou me
deixaram sozinha e levaram o bebê. Não sei por quanto tempo fiquei ali, com
fome, com sede e sem ninguém me dizer como estava minha filha”. Até que algum
tempo depois soube pelas enfermeiras que ela estava bem, soube o peso e
respirei aliviada, finalmente. Achei que ali tudo tinha acabado e que agora
seria só alegria.
O que Amanda não sabia e que a família
só foi perceber depois, é que a bebê não movimentava o bracinho esquerdo. Como
ela ainda era recém-nascida acharam que talvez com o tempo se moveria
normalmente. Passado algum tempo e começando a se mexer mais como toda criança,
notaram que algo estava de fato, errado, e que os movimentos do tal braço
estavam mesmo comprometidos, o que a impediu, inclusive de engatinhar, processo
natural para todo bebê, pois não conseguia se equilibrar e fazer a força
necessária na musculatura.
Entre consulta com pediatras,
ortopedistas e fisioterapias, chegaram à conclusão de erro médico. “Só aí
fiquei sabendo que além de forçar o parto normal ao extremo, o médico
(i)responsável teve que deslocar o braço da Duda para que conseguisse fazer ela
sair, pois não havia passagem, o que causou uma lesão, denominada Lesão do
plexo braquial. Por isso os movimentos dela não eram normais nesse braço, e
somente serão restabelecidos através de cirurgia”. Vale ressaltar que em nenhum
momento, no próprio hospital, algum médico relatou à mãe o que de fato tinha
ocorrido com a criança, a lesão sequer foi mencionada, nem mesmo na hora da
alta.
Recentemente, em consulta com um médico especialista no tipo de lesão provocada no bebê, antes do encaminhamento para a cirurgia, quando imaginava que já tinha todas as informações sobre o caso da filha, Amanda depara-se com mais informações que foram ocultadas dela em todo esse processo, durante esses dois anos e meio. “O médico leu o prontuário e todos os papéis da alta da Duda, e já sabendo que eles me esconderam a lesão provocada, virou para mim e perguntou: eles te disseram que sua filha esteve morta? Levei um choque. Pedi que ele me explicasse direito. Foi aí que ele me contou que pelo tempo que demorou para ela conseguir passar normalmente, chegou a ficar sem oxigenação, perdeu os sentidos, esteve morta mesmo, por isso, para reverter a situação, o médico deslocou o braço dela propositalmente para que conseguisse retirá-la. Então comecei a recordar novamente, o clima de tensão, como eles se entreolhavam em pânico, o médico em cima da minha barriga quase me sufocando, as muitas doses de ocitocina, e terem me deixado sozinha e corrido com a minha filha, não me permitindo vê-la assim que nasceu, e tudo ficou claro. Chorei me lembrando de tudo aquilo. E pensar que tudo teria sido diferente se ela tivesse nascido no tempo certo (porque a vinda dela foi forçada o tempo inteiro), quanto sofrimento teria sido evitado se o atendimento fosse mais humanizado e responsável. Agora ela terá que passar por uma cirurgia, e temos que torcer para que tudo corra bem e ela ganhe os movimentos, que lhe foram tirados covardemente. Graças a Deus ela é uma criança muito ativa, o que ajudou para que o braço não tivesse ficado paralisado totalmente, e que o pior não aconteceu, pois hoje minha Dudinha, essa criança tão amorosa poderia não estar aqui. Temos um processo na justiça, mas nenhum resultado judicial, por mais favorável que seja, irá nos ressarcir psicologicamente por todos os traumas. Espero apenas a recuperação plena da minha filha e que nosso caso sirva de alerta para outras futuras mães”.
É exatamente esse o objetivo do Mulher
Manifesto com essas matérias. E, para as futuras mamães, o recado é: conheça
muito bem os seus direitos, exija um acompanhante que dê suporte em todo o
processo do parto e não se cale diante dos abusos, físicos e psicológicos. E
não esqueça que o corpo é seu, o parto também, você é protagonista desse
processo e deve ser ouvida, respeitada e receber um tratamento digno, como deve
ser.
Imagens: Arquivo pessoal de Amanda Alves