Colunista convidado: Guilherme Cunha
Correu o mundo no mês passado uma imagem inusitada
que mostrava a Rainha Elizabeth II da Inglaterra, ainda criança, executando um
gesto identificado como a saudação nazista.

Tais observações não deixam de serem verdadeiras.
Porém, nos levam a uma conclusão perturbadora: que de fato devia ser normal pra
muitas crianças e famílias na década de 1930 enxergarem no nazismo uma coisa
boa. Inegavelmente Adolf Hitler foi um dos líderes mais populares da História e
conseguiu convencer uma nação inteira, além de países vizinhos, de que estava
fazendo o bem.
A filósofa Hannah Arendt foi a primeira a abordar
com mais maturidade o efeito psicológico do nazismo ao cunhar a expressão “banalidade do mal”. A maioria das
pessoas que seguiam as ordens de Hitler direta ou indiretamente não eram
maléficas e caricatas, repletas de desvios de caráter, como muitas vezes
fantasiamos nossos inimigos ou aqueles que foram taxados como vilões pela
História. Eram na realidade gente comum que se deixou levar, sem perceber, até
a condição de instrumento de monstruosidades.
O mais estranho é como toda essa discussão soa tão
perturbadoramente atual.
Nossa época atual está repetindo muitos dos
contextos sociais políticos e econômicos do começo do século XX e isso inclui
uma bizarra inclinação da sociedade ao conservadorismo, racismo, machismo,
militarismo e nacionalismo. Tal como ocorreu há mais de 100 anos a sociedade
contemporânea, tanto no Brasil como no resto do mundo, está adotando o discurso
de líderes carismáticos que oferecem falsas soluções simples para problemas
complexos, e estamos prestes a pagar um preço alto por isso.
Muita gente esquece, e outros fazem de conta que não
sabem, que o movimento nazista que varreu a Europa na primeira metade do século
passado não aconteceu de uma hora pra outra. Vários elementos pavimentaram o
caminho para ascensão de Hitler, e muitos deles encontram uma intrigante
correspondência com situações que temos vivenciado nos últimos anos.
A intolerância religiosa, a xenofobia, o
anticomunismo e a bizarra descoberta de um histérico patriotismo adormecido se
unem a ignorância política e histórica para formar o mais perigoso cenário
possível.
É verdade que quando expomos este tipo de temor com
alguém, logo dirão que é exagerado e desprovido de senso de realidade, pois
episódios de tomada do poder pela extrema direita como o nazifacismo na Europa
e as ditaduras militares latino americanas são lembranças distantes. O problema
é que elas nunca foram tão pouco distantes.
Em 1923 Hitler tentou tomar o poder na Alemanha
através de um golpe que fracassou. Ele era radical demais para o povo dos anos
20. Ficou preso cerca de um ano e depois foi libertado porque ninguém
considerava mais o Partido Nazista uma ameaça. A foto da Rainha Elizabeth
fazendo a saudação nazista criança é de 10 anos depois, quando Hitler chegou ao
poder pelos meios legais.
Isto porque ninguém
imaginava que os nazistas seriam capazes de plantar a semente do ódio e da
intolerância em jovens da Alemanha e do
mundo e que todos nós colheríamos seus frutos amargos na geração seguinte.
O maior perigo das
atuais manifestações, como as que ocorreram no Brasil dia 16 de agosto, não é
se constituir uma ameaça ao poder estabelecido por um sistema democrático, nem
mesmo por colocar uma multidão pra caçar fantasmas que não existem como a
famigerada “ameaça comunista”. Não. O
maior mal é o que está sendo feito na mente das crianças.
Crianças que vão
crescer com uma visão completamente distorcida do sistema e que poderão no
futuro cometer monstruosidades em nome daquilo que hoje aprenderam a chamar de
o bem. Mesmo que o bem seja o mal.
Se já é difícil pra um
adulto ter discernimento pra separar o bem e o mal nos muitos e complexos
caminhos da vida, imagine uma criança que cresce ouvindo as pessoas ao seu
redor extravasando seu mais puro ódio infundado como se fosse algo bom?
Isso sem contar
iniciativas de gosto duvidoso como o recrutamento de jovens pela Igreja
Universal do Reino de Deus para a formação do assim chamado Gladiadores do
Altar ou a criação de ditos “movimentos sociais”sem nenhuma preocupação com as
reais necessidades dos desafortunados pela sociedade como o tal Revoltados
OnLine.
Esse contexto de “barril de pólvora” também foi explorado
pelo diretor Ingmar Bergman em seu filme O Ovo da Serpente, em que mostra o
estado de intolerância em que vivia A República de Weimar – como a Alemanha era
chamada após a Primeira Guerra Mundial – naquele mesmo ano de 1923 em que
Hitler tentou tomar o poder pela primeira vez:
“É como o ovo de uma
serpente. Através das finas membranas, você pode claramente discernir o réptil
já perfeito”.
Imagem: 1 - Um blog que pensa, 2 - AP Photo, 3 - Reprodução
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