domingo, 2 de agosto de 2015

Uma Transrevolução na TV

02/08/15

Coluna: Segunda Tela   
Autor: Jean Pierry Leonardo

De maneira simples e geral, um/uma transsexual é aquela pessoa que apresenta sua identidade de gênero, a maneira como se percebe, diferente daquela biológica em que nasceu. Resumindo, é um homem “preso” num corpo de mulher, ou uma mulher “presa” num corpo de homem. E isso nada tem a ver com orientação sexual (hétero, bissexual ou gay). Pode ser – e é – complicado para entender, mas ultimamente os/as transsexuais estão cada vez mais evidenciados, não apenas pela curiosidade de sua persona, mas também pelo talento e simbolismo representados diante da TV – e do Netflix.


Discriminados/as até no próprio meio LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais), artistas como Thammy Miranda, Rogéria, Laverne Cox e Caitlyn Jenner vem visibilizando esse público. Os/As quatros artistas são os/as principais, atualmente, na mídia a levantar a bandeira da igualdade e mostrar que são pessoas que merecem serem reconhecidos/as pelo profissionalismo, e não pelo gênero e/ou sexualidade. Exceções à regra num meio que ainda carece de exemplos como esses, as personalidades romperam – mais uma vez -  a barreira do preconceito e esbanjam carisma diante dos telespectadores. Saiba mais um pouco sobre cada uma/um delas/deles abaixo:


Rogéria


                                  Rogéria nos anos 80: musa

Disparadamente, a maior representante transgênero do Brasil. Rogéria tem um histórico  como artista e como ativista em prol dos direitos LGBTs – ainda que essa nunca tenha sido uma obrigação ou ofício em sua vida – que foi fundamental para que depois delas, outras surgissem. Talvez nem com tanto brilho como ela. Carismática e performática, Rogéria tem um “know-how” característico para lidar com as câmeras e com os palcos da vida. Já atuou em diversas peças e espetáculos teatrais, além de participações em programas de auditórios e novelas.


Atualmente, bate ponto em “Babilônia” como Úrsula, a divertida avó de Gabi (Kizi Vaz). Oriunda dos idos dos anos 70/80, Rogéria conhece bem as dificuldades e os preconceitos de um período em que ser travesti e/ou transsexual era muito pior do que hoje em dia, principalmente em épocas de Ditadura Militar. Mas isso nunca foi empecilho para que ela desistisse de tentar. Com muita simpatia, talento e carisma, Rogéria transcendeu a ignorância alheia e conseguiu impetrar-se com propriedade no meio artístico e nas graças do povo. Singular e significativa.

  Aos 71 anos, Rogéria continua fazendo sucesso na televisão

Thammy Miranda


                                   Thammy depois da cirurgia para retirada dos seios

Filha da “Rainha do Bumbum”, Gretchen, Thammy Miranda cresceu seguindo – e dançando – os passos de sua mãe. Naturalmente seria a substituta de sua mãe nos palcos. Seria. Essa não era sua vontade e a musa dos anos 2000, que chegou a ser capa da “Playboy”, decidiu tomar a decisão que mudaria sua vida: assumir-se publicamente como transsexual e passar pelas transformações necessárias para a mudança de sexo. Assim feito, Thammy Miranda já retirou os seios e com o uso de hormônios, aos poucos, vem adotando uma aparência mais masculina e conservando alguns pêlos no rosto. A partir disso, desde que revelou sua condição e transformou-se, ele (sim, é assim que Thammy prefere (e deve) ser chamado, no masculino) não sai mais dos holofotes – seja pelos seus trabalhos e participações na TV ou por polêmicas criadas em torno da bisbilhotice sobre sua vida.


                              Thammy na capa da revista Playboy, em 2001

Se para o público foi – e ainda é – difícil acostumar-se com o aspecto masculino de Thammy, para ele é maior ainda o desafio de ter que provar que vai muito além de sua (nova) identidade. Entretanto, o próprio já afirmou, recentemente no “Programa do Jô”, que sabe que assim como ele, os demais também precisam de um tempo para poder lidar com menos estranhamento, diante do que é. Mas consciente de sua posição privilegiada – proporcionado por sua fama -  ele vem superando aqueles que desacreditam do seu potencial. Um dos integrantes do “Elas Querem Saber”, quadro do “Programa Raul Gil”, Thammy teve na “Rede Globo”, até hoje, o seu maior destaque na telinha. Foi em “Salve Jorge”, como a policial linha dura Jô, que pôde mostrar o seu valor. Conquistou Glória Perez, público, crítica e calou as vozes dos preconceituosos. A readequação sexual de mulher para homem ainda é menos comum no Brasil, do que a masculina para feminina, e por isso mesmo, que Thammy é tão importante para a visibilização de outros como ele na sociedade – e na TV.

Laverne Cox

Para aquele público já familiarizado com o Netlflix, especialmente com a série “Orange is The New Black”, Laverne Cox já não é mais novidade. Ali ela interpreta uma das presidiárias mais populares de Litchfield, a cabeleireira Sophia. Ainda que o grande público não seja tão chegado à febre do on demand, certamente, ouvirá falar mais dela por aí. Ainda que os EUA seja um país progressista e tenha dado um banho de civilidade ao aprovar o direito dos homossexuais casarem-se, com os mesmos direitos, em todo o país,que os heterossexuais, também lá na América ser transsexual é ser invisibilizado. Sorte? Talento? Os dois? Não importa, Laverne Cox vem “causando” no show business.

Laverne Cox em Orange is The New Black

A atriz conquistou fãs, críticas e elogios no mundo todo com seu trabalho. Também já foi reconhecida e homenageada pela GLAAD (instituição que luta e premia artistas que contribuem para o segmento LGBT), listada como uma das mulheres mais lindas do mundo pela revista “People”, figura presente nas rodas mais badaladas de Hollywood. Além da aceitação perante o público, Laverne sabe que sua posição e trabalho extrapolam barreiras meramente artísticas. Ela é um sopro de esperança e liderança no que também diz respeito às mulheres trans negras. Sim, o contexto racial também é um importante indicador de sua simbologia no meio LGBT, seja para as mulheres trans afro-americanas ou não, e por isso sua presença como atriz em OITNB, é por si só histórica.

                         Símbolo da representatividade trans, Laverne Cox se destaca


Caitlyn Jenner


Ela é, no momento, o nome preferido dos sites, jornais, TV e internet dos EUA – e do mundo. Importante e destacável medalhista olímpico como Bruce Jenner no passado, a hoje Caitlyn Jenner é o rosto mais conhecido a integrar a causa transsexual. Era figurinha carimbada – ainda como homem – no reality show “Keeping up the Kardashians”, que acompanha a rotina da família Kardashian, que tem em Kim a mais célebre das irmãs, muito por conta de seu casamento com Kanye West. Bom, a verdade é que Caitlyn resolveu viver sua vida, sob aquilo que realmente sempre foi, mas vivia escondendo. Mas aos 65 anos, casado, pai de duas filhas biológicas e padrasto de outras três – todas famosas – como seria?

Caitlyn Jenner quando ainda era Bruce Jenner antes da operação
                            
A resposta pôde ser conferida no último mês. Numa atitude de coragem, com imenso apoio da classe artística e imprensa, Bruce deixou-se acompanhar durante as transformações que seu corpo ia sofrendo, e apareceu deslumbrante, pela primeira vez como mulher, na capa da importante revista “Vanity Fair”. Pronto, ali nascia Caitlyn Jenner. Mesmo não sendo atriz, apresentadora ou tendo alguma ligação mais intríseca com esse mundo, seria impreterível não falar dela. Afinal, os holofotes reluzem para si. Ainda tentando se acostumar com mais câmeras e curiosidade acerca de sua (nova) vida, Caitlyn vem assumindo com muita segurança a responsabilidade que lhe é imputada pela sua notoriedade. Sua fase pós readequação sexual ganhou um novo reality, chamado “I am Cait”, exibido no Brasil pelo canal E!, onde o telespectador é convidado a conhecer o lado humano, mulher, social de Caitlyn. Sem artifícios caricatos ou pejorativos.

Caitlyn Jenner como mulher na Vanity Fair

Hoje, ela tem milhões de seguidores nas redes sociais, é convidada para as principais premiações americanas, foi homenageada com o ESPI AWARDS, em julho, pela ESPN, por sua trajetória e dedicação como atleta e, agora, como ativista pela causa LGBTrans, entre outras conquistas. Mas, numa emocionante carta pós nova identidade, Caitlyn afirmou e relatou o quanto sua imagem e protuberância é crucial. A partir disso, ela  sempre que poder, reúne seus esforços e leva para quem quiser ouvir a voz, a atitude, a coragem e a luta pela igualdade de outros/as tantos/as transsexuais ao redor do globo.

Rogéria, Thammy, Laverne e/ou Caitlyn. Sejam as representantes brasileiras ou americanas, não importa. O espaço ocupado por essas/es artistas na televisão reverbera a esperança de dias – e sociedades – melhores. A fama e o sucesso alcançado pelas/os mesmas/os é apenas um detalhe que caminha lado a lado com o preconceito e ignorância alheios, mas ainda assim, também com a busca pela dignidade social de outros pares.      


As opiniões aqui retratadas não refletem necessariamente a posição do Manifesto, e são de total responsabilidade do seu escritor.

Imagens: 1, 2, 4 à 7 - Reprodução / 3 - Instagran