sexta-feira, 25 de março de 2016

4 Filmes e Documentários para refletir acerca do atual cenário de tensões sócio-políticas brasileiro


25/03/16    -    Coluna: Cine Manifesto    Autor: Thaís Carlos


Não é de hoje que sabemos o poder do cinema em apresentar e questionar a história de um povo. Seja esta história apresentada de forma fictícia – ou não.

Tudo o que consumimos de audiovisual foi escrito, selecionado, maquiado, iluminado, filmado, dirigido e montado, pensando em transmitir uma mensagem. Pois não se enganem - a tal “magia do cinema” nada mais é do que reações premeditadas. Tudo o que é sentido e imaginado por nós espectadores, já era esperado por aqueles que estudaram e fizeram o filme, ou o programa de TV, ou aquele comercial...

É com este breve resumo de como funciona a indústria audiovisual, que apresento filmes que irão fazer-lhe questionar também, o que lhe é apresentado diariamente.

Pergunte a si mesmo: O que anda consumindo?  Quais são suas opiniões e no que elas são baseadas? Será mesmo que não estão o enganando?

Neste momento de tensões políticas e sociais no cenário do Brasil, é de extrema necessidade entender as propostas de ambos os lados – e quem são esses lados. Ou melhor, se é realmente necessário ainda haver essa polarização de ideologias, enquanto a verdade que bate à nossa porta é a divisão entre aqueles que possuem poder e aqueles que não tem nada.   

Os 4 filmes à seguir, foram escolhidos por tratarem-se de histórias que repetem-se, e ainda estão acontecendo hoje.

1 - Boa Noite, e Boa Sorte (2005)


Dirigido por George Clooney, este filme mostra uma história real da década de 50, no auge da Guerra Fria e das transmissões jornalísticas pela recém chegada televisão.

O protagonista Edward R. Murrow é o apresentador do famoso programa de jornalismo investigativo com uma das maiores audiências da CBS, o See It Now. 

Murrow (David Strathairn) e seus jornalistas - o produtor Fred Friendly (George Clooney), o redator Don Hollenbeck ( Ray Wise), Joey (Robert Downey Jr) e Shirley Wershba (Patricia Clarkson), resolvem investigar o caso de um membro da Força Aérea americana que fora afastado pelo motivo do pai ler um jornal sérvio, graças a uma política de segurança nacional implantada pelo senador Joseph McCarthy que consistia em perseguir e condenar qualquer cidadão suspeito de pertencer ao Partido Comunista ou que compactuasse com seus ideais. A medida era tão drástica que até mesmo cidadãos que simplesmente não concordassem com as palavras do senador, poderiam ser incluídos na famosa lista de “comunistas em potencial”. A partir daí toda equipe é mobilizada para investigar o caso e questionar publicamente em seu programa a justiça americana pelas constantes audiências mesmo com a ausência de provas, os discursos de ódio do senador, e logo mais a liberdade de expressão dos cidadãos.

O senador, extremamente incomodado com as críticas de Murrow, logo combina uma entrevista, e faz o que já estamos acostumados a ver nos discursos de muitos políticos brasileiros: ataques pessoais a Murray e membros de sua equipe, junto com ameaças à população com frases tendenciosas e apelativas. Obviamente, Murrow como bom profissional de jornalismo, rebate suas críticas com profissionalismo e compostura, deixando o senador sem palavras, e esclarecendo o óbvio: ter debates saudáveis com pessoas de ideologia diferente e criticar os políticos da oposição, não o torna comunista.
 
O final deste filme revela como funciona as emissoras de TV: Murrow perde seu programa, graças as ameaças de McCarthy, que estava desconfortável com as verdades ditas ao vivo, e faz com que as empresas que financiavam o programa retirassem seus investimentos. Se no início da TV já era assim, será que hoje a verdade ainda pode ser televisionada? Uma história tão atual que chega a surpreender. Atentem para o discurso de Murrow nos minutos iniciais e no final do filme - difícil de não concordar com cada palavra.   

2 – Terra em Transe (1967)


Dirigido pelo ícone do Cinema Novo, o diretor brasileiro Glauber Rocha, o filme escolhido é uma grande parábola do cenário sócio-político do Brasil na década de 60. No país fictício chamado de Eldorado, o enredo é repleto de personagens que representam a imprensa, a igreja, o político populista, os sindicalistas, os movimentos de esquerda, os empresários e o povo marginalizado. Os diálogos são bem diretos, mesmo que dirigidos de forma poética. Mais uma obra prima de sucesso no exterior, mas censurada pela ditadura.

Um filme para quebrar o senso comum de muitos brasileiros de que o cinema nacional só fez filmes ruins de comédia e de que a ditadura foi justa e só censurava o que não prestava.  Um filme que mesmo num país fictício, ainda parece um retrato do Brasil atualmente.
Abaixo cena do auge do filme onde o operário Felício (Flávio Migliaccio) interrompe o discurso do sindicalista Jerônimo (José Marinho):
 
"Eu vou falar agora. Eu vou falar. Com a licença dos doutores. Seu Jerônimo faz a política da gente, mas Seu Jerônimo não é o povo. O povo sou eu! Que tenho sete filhos e não tenho onde morar!”

3 – Cidadão Quatro (2014)

 

Vencedor do Oscar 2015 de melhor documentário, Laura Poitras dirige o desenrolar dos encontros com Edward Snowden antes e depois de revelar sua identidade ao público. Para quem não se lembra, Edward Snowden é um analista de sistemas, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos). Ele foi o responsável pelo vazamento de documentos que exibiam a dimensão do programa da NSA de vigilância global americana: inúmeros programas visando a captação de dados, e-mails, ligações telefônicas e qualquer tipo de comunicação entre cidadãos a nível mundial. E é sobre isso que se trata todo o documentário: abrir os olhos para total falta de privacidade proporcionada pelas tecnologias que nos acercam. Toda a comunicação é armazenada e vigiada, basta usar um smartphone, computador, smart TVs e até mesmo consoles de vídeo-games.
 
Agora pense nas possibilidades do que pode ser feito com tanta informação? Para se ter uma ideia em 2013 Snowden vazou informações de que a presidente Dilma Roussef estaria sendo alvo de espionagem americana.  Mas mesmo após as críticas da presidente à vigilância norte-americana, agora em março de 2016 teve suas conversas pessoais grampeadas e disponibilizadas ao público pelo juiz federal Sergio Moro. Sofrendo inclusive uma alfinetada do próprio Snowden pelo Twitter, por ainda não utilizar criptografia em suas ligações para preservar o sigilo de suas conversas. Veja aqui.
 
A pergunta que fica é: Todo este controle na informação estaria sendo usado para realmente se fazer justiça e derrubar governos corruptos ou apenas para satisfazer os interesses de uma oposição e de empresas que querem direcionar e impulsionar suas vendas a um público seleto? 

4 – Fahrenheit 11 de Setembro (2004)

 
Se for para estabelecer conexões entre filmes, poderíamos dizer que este documentário dirigido pelo polêmico diretor Michael Moore, é uma “prequel” dos acontecimentos do documentário anterior (Cidadão Quatro). Ambientado nos anos 2000 durante a eleição do presidente George W. Bush. Moore faz fortes críticas a seu governo após sua posse. Até que em 2001 ocorrem os atentados terroristas espalhados pelo país. E Moore descobre uma série de documentos que comprovariam associações do então presidente e sua família, e membros do partido republicano com empresas petrolíferas e armamentistas e empresários sauditas.
 
E o que isso teria a ver com o atual momento no Brasil? Com os atentados, surge uma onda de medo entre a população, alimentado cada vez mais por uma mídia que por anos continuou o alimentando incansavelmente. Levando a população a aprovar leis de vigilância e total controle sobre as comunicações e a apoiar uma guerra de pretextos duvidosos, em uma nação que não apresentava ameaça ao país, mas que possuía grandes reservatórios de petróleo.
 
Mais uma vez, surge a cultura do medo, como uma importante arma para mobilizar a opinião pública e os políticos. Um terrorismo midiático muito parecido com o nosso, que faz com que exista apenas um único vilão, um único responsável por todos os problemas da sociedade, seja ele um país ou um partido político.
 
 
Imagem: Reprodução