segunda-feira, 14 de março de 2016

Porque é importante ter “histórias de bicha” nas novelas


10/03/16   -   Coluna: Segunda Tela   Autor(a): Jean Pierry Leonardo



Na última terça feira (08/03/16), durante a coletiva de lançamento e apresentação da nova novela das 21h, da Rede Globo, “Velho Chico”, o autor Benedito Ruy Barbosa fez uma declaração polêmica. Odeio história de bicha. Pode existir, pode aceitar, mas não pode transformar isso em aula para as crianças. Tenho dez netos, quatro bisnetos e tenho um puta orgulho porque são tudo macho pra cacete”, disse ele para incômodo de sua filha Edmara Barbosa, que junto com Bruno Luperi, seu neto, escrevem a novela.

Responsável por grandiosos sucessos da teledramaturgia brasileira como “Pantanal”, na extinta Rede Manchete, “Terra Nostra” e o “O Rei do Gado”, na Globo, sendo esta última reprisada com enorme audiência recentemente no “Vale a pena ver de novo”, o posicionamento conservador e crítico do novelista se apóia naquilo que muitos costumam dizer por aí. Com as últimas novelas do horário nobre repetindo sinopses e histórias (favelas, Rio de Janeiro ou São Paulo, preconceito e homossexuais), Ruy Barbosa mostrou insatisfação como telespectador que também é, e por isso mesmo, ressaltou todas as qualidades de seu novo trabalho que trará uma nova linguagem, história, elenco e sinopse a partir de hoje (14/03, estreia da novela) em diante. Até aí tudo bem. O autor tem o direito de falar e opinar sobre aquilo que bem entende.

Entretanto, ele acabou se contradizendo. Ou melhor, se contrapondo justamente na direção daquilo que seu ofício representa. Explica-se. Como produto de entretenimento, que apóia-se na realidade para realçar um espectro de si, as novelas são determinantes sociais e maior expoente sociocultural do Brasil. Ainda que não seja sua responsabilidade, primariamente falando, ela tem um papel social a cumprir. A Televisão no Brasil corresponde ainda hoje, em meio ao advento das redes sociais e serviços on demand, como o veículo de comunicação mais utilizado pelo brasileiro. Se direcionarmos essa análise para a Rede Globo, emissora onde Benedito trabalha, estamos falando de um alcance em 98% do território nacional, ou de no mínimo, 80 milhões de pessoas paradas diante do canal no horário das 21h.

Isso significa que aumenta a responsabilidade daquilo que é veiculado. Isso também significa que não se pode, principalmente quando falamos de telenovelas, ignorar ou macular personagens que representem quem está em casa. Que existem na sociedade. A realidade do dia a dia. Sim, porque macular homossexuais, negros, mulheres, deficientes, indígenas e outros nas histórias, não vai contribuir com nada. Pelo contrário. Só reforçará o lado unipolar da televisão que, muitas das vezes, rechaça esteriótipos e pré-conceitos. Mas que ainda assim, especialmente a Rede Globo, abre frente para que a diversidade “ponha a cara no sol”.



Tão ou mais importante que isso é dar luz a personagens e tramas que, claramente, se mostraram um acerto. Félix ( Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) em “Amor à Vida”, Rafaela (Luciana Picarelli) e Clara (Alinne Moraes) em “Mulheres Apaixonadas”, Junior (Bruno Gagliasso) em “América”, Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathália Timberg) em “Babilônia”, entre outros. O público quer se ver representado. Esse público quer, pode e tem o direito de ser representado como telespectador. E isso não é “aula para crianças aprenderem a como ser gays ou lésbicas”. Isso se chama responsabilidade social, prestação de serviços e respeito. Uma tríade que é função sim das telenovelas, mas não impositiva. Faz quem quer, escreve quem quiser e vê quem quer. Ponto. Portanto, Benedito tem todo o direito de não gostar de LGBTs nas novelas e nem que seus netos a assistam. Mas isso não lhe dá o direito de querer que o público pare no tempo com ele, assim como faz em suas novelas. 



Imagens: Reprodução/Tv Globo