Era uma vez uma cidade chamada Hamelin, na Alemanha,
que estava infestada por ratos no ano de 1284. Um dia, surgiu por lá um
flautista que usava estranhas roupas coloridas. Ele se ofereceu para livrar seu
atormentado povo daquela praga desde que fosse pago por isso. Após o acordo, começou
a tocar sua flauta mágica e a música hipnotizou os ratos com sua melodia. Os
animais seguiram o flautista até os limites da cidade e foram, um a um, caindo
no rio e morrendo afogados.
Quando o flautista voltou para cobrar pelo serviço,
os responsáveis por Hamelin, ao invés de se sentirem agradecidos, decidiram
fazer uma trapaça. Recusaram-se a lhe pagar, alegando que ele não lhes
apresentara os corpos dos ratos mortos. Sabendo que tal pedido malicioso era
impossível de ser atendido, o flautista ficou furioso e decidiu se vingar.
Tocou novamente a sua flauta e, com a música que ela
produzia, hipnotizou todas as 130 crianças de Hamelin. Todos os pequenos
marcharam atrás do flautista tal qual os ratos fizeram antes. Seguiram aquela
melodia despreocupadamente, ocupando as ruas passo a passo atrás do músico, sem
se importar com o risco que poderiam correr.
No entanto, o flautista não levou as crianças para o
rio. Conforme seguiam, foram indo na direção da montanha. Os adultos da cidade procuraram
bastante em toda a região, mas não viram nem sinal de seus filhos. O flautista havia
entrado com eles numa passagem desconhecida que levava para dentro de uma
caverna na montanha.
As únicas crianças que se salvaram foram a que não
podia enxergar, porque se perdeu no caminho; a que não podia ouvir, pois não
escutava a música; e a que usava muletas, pois não conseguiu seguir as outras.
Nunca mais ninguém em Hamelin viu nem os ratos nem as
crianças novamente. Nem o flautista...
Passaram-se setecentos e trinta e dois anos...
Era uma vez um país cheio de corruptos. Um belo dia
surgiu por lá um juiz que usava estranhas camisas negras. Ele se ofereceu para
livrar seu povo dessa praga. Suas ações tinham um poder de encantamento semelhante
às do Flautista de Hamelin. Mas sua melodia não vinha de uma flauta. Ele
hipnotizava a todos através dos jornais, das revistas, das rádios e das TVs.
Um a um, ele trouxe muitos corruptos para dentro da
sua jaula. Mas o juiz queria mais. Trouxe até quem não era corrupto, trouxe
quem ele não tinha certeza se era corrupto, trouxe até corruptos que já estavam
presos. Por pouco não trouxe até um capoteiro. Por outro lado, certos ratos
permaneciam muito bem instalados, sem serem incomodados.
Tudo que o juiz fazia era música para os ouvidos das
pessoas do país. A maioria dos habitantes eram como crianças. Pois do ponto de
vista da política, a maior parte tinha nascido em 2013. Tinham, portanto, três
anos de idade e muita falta de maturidade.
Os adultos, porém, tinham capacidade para julgar e
não aceitaram o preço a pagar pelo serviço incompleto e mal feito que o juiz
fazia. Este, então, decidiu enfeitiçar as crianças.
Atraídas pelo mágico canto, elas marcharam
hipnotizadas por aquela melodia que o juiz emanava através dos veículos de
comunicação de massa. Seguiam-no despreocupadamente, ocupando as ruas passo a
passo atrás do magistrado, sem se importar com o risco que poderiam correr.
Nessa versão, a história era tão louca que algumas
crianças até dançavam com os ratos.
As únicas crianças que se salvaram foram aquelas que
não enxergavam só o que se publicava nos jornais e revistas, porque não seguiam
o caminho previamente traçado para elas seguirem; aquelas que não ouviam só o
que diziam o rádio e a TV, pois não escutavam o encantamento da mídia; e
aquelas que, percebendo-se como intelectualmente deficientes, usavam livros
como muletas, pois não conseguiam mais seguir atrás das outras sem questionar.
Essa caverna lembrava muito a Caverna de Platão. Mas
essa é uma outra história...
Imagens: Wikimedia, Reprodução e rede social