quarta-feira, 16 de março de 2016

O Juiz Flautista

Guilherme Cunha




Era uma vez uma cidade chamada Hamelin, na Alemanha, que estava infestada por ratos no ano de 1284. Um dia, surgiu por lá um flautista que usava estranhas roupas coloridas. Ele se ofereceu para livrar seu atormentado povo daquela praga desde que fosse pago por isso. Após o acordo, começou a tocar sua flauta mágica e a música hipnotizou os ratos com sua melodia. Os animais seguiram o flautista até os limites da cidade e foram, um a um, caindo no rio e morrendo afogados.

Quando o flautista voltou para cobrar pelo serviço, os responsáveis por Hamelin, ao invés de se sentirem agradecidos, decidiram fazer uma trapaça. Recusaram-se a lhe pagar, alegando que ele não lhes apresentara os corpos dos ratos mortos. Sabendo que tal pedido malicioso era impossível de ser atendido, o flautista ficou furioso e decidiu se vingar.

Tocou novamente a sua flauta e, com a música que ela produzia, hipnotizou todas as 130 crianças de Hamelin. Todos os pequenos marcharam atrás do flautista tal qual os ratos fizeram antes. Seguiram aquela melodia despreocupadamente, ocupando as ruas passo a passo atrás do músico, sem se importar com o risco que poderiam correr.

No entanto, o flautista não levou as crianças para o rio. Conforme seguiam, foram indo na direção da montanha. Os adultos da cidade procuraram bastante em toda a região, mas não viram nem sinal de seus filhos. O flautista havia entrado com eles numa passagem desconhecida que levava para dentro de uma caverna na montanha.

As únicas crianças que se salvaram foram a que não podia enxergar, porque se perdeu no caminho; a que não podia ouvir, pois não escutava a música; e a que usava muletas, pois não conseguiu seguir as outras.

Nunca mais ninguém em Hamelin viu nem os ratos nem as crianças novamente. Nem o flautista...

Passaram-se setecentos e trinta e dois anos...

Era uma vez um país cheio de corruptos. Um belo dia surgiu por lá um juiz que usava estranhas camisas negras. Ele se ofereceu para livrar seu povo dessa praga. Suas ações tinham um poder de encantamento semelhante às do Flautista de Hamelin. Mas sua melodia não vinha de uma flauta. Ele hipnotizava a todos através dos jornais, das revistas, das rádios e das TVs.

Um a um, ele trouxe muitos corruptos para dentro da sua jaula. Mas o juiz queria mais. Trouxe até quem não era corrupto, trouxe quem ele não tinha certeza se era corrupto, trouxe até corruptos que já estavam presos. Por pouco não trouxe até um capoteiro. Por outro lado, certos ratos permaneciam muito bem instalados, sem serem incomodados.

Tudo que o juiz fazia era música para os ouvidos das pessoas do país. A maioria dos habitantes eram como crianças. Pois do ponto de vista da política, a maior parte tinha nascido em 2013. Tinham, portanto, três anos de idade e muita falta de maturidade.

Os adultos, porém, tinham capacidade para julgar e não aceitaram o preço a pagar pelo serviço incompleto e mal feito que o juiz fazia. Este, então, decidiu enfeitiçar as crianças.

Atraídas pelo mágico canto, elas marcharam hipnotizadas por aquela melodia que o juiz emanava através dos veículos de comunicação de massa. Seguiam-no despreocupadamente, ocupando as ruas passo a passo atrás do magistrado, sem se importar com o risco que poderiam correr.



Nessa versão, a história era tão louca que algumas crianças até dançavam com os ratos.


As únicas crianças que se salvaram foram aquelas que não enxergavam só o que se publicava nos jornais e revistas, porque não seguiam o caminho previamente traçado para elas seguirem; aquelas que não ouviam só o que diziam o rádio e a TV, pois não escutavam o encantamento da mídia; e aquelas que, percebendo-se como intelectualmente deficientes, usavam livros como muletas, pois não conseguiam mais seguir atrás das outras sem questionar.
Assim como as crianças do Flautista de Hamelin, as crianças desse país que seguiram o Juiz Flautista foram trancadas numa caverna, onde suas mentes permaneceram na obscuridade, distantes da luz da verdade.

Essa caverna lembrava muito a Caverna de Platão. Mas essa é uma outra história...

Imagens: Wikimedia, Reprodução e rede social