08/03/16 - Coluna: Cine Manifesto Autor(a): Guilherme Cunha
Quando eu era criança havia um presidente na
Venezuela de quem todo mundo parecia falar mal. Na verdade só o chamavam de
ditador. Se o rei da Espanha mandava-o calar a boca virava piada internacional.
Todos na imprensa pareciam gostar de ridicularizá-lo por aqui.
Na minha mente este homem, Hugo Chávez, era um
ditador folclórico de um país latino americano, e sua soberania retratava o
atraso daquele povo.
Em 2002 tiraram esse presidente\ditador do poder, e
o Jornal Nacional dedicou muito tempo a mostrar como o tirano havia sido
deposto legalmente. Infelizmente, os pobres venezuelanos eram tão dependentes
do seu ditador que o tomaram nos braços e o colocaram de volta no poder.
Intimamente eu enxergava aquilo me sentindo superior intelectualmente diante
daqueles pobres coitados desprovidos de senso crítico.
Quando Hugo Chávez morreu de câncer, cheguei a fazer
piada que pelo menos não tinha sido o outro Chaves, o engraçado. Toda
informação que vinha a mim da Venezuela parecia apontar para um povo delirante
e ignorante iludido por um político aproveitador. Nessa época foi mais ou menos
a primeira vez que eu ouvi falar da frase “A
Revolução Não Será Televisionada”. Achava o máximo, embora não soubesse do
que se tratava.
Então, pouco a pouco, minhas fontes de informação
foram se diversificando quando passei a ter acesso à internet. E um belo dia
descobri que A Revolução Não Será Televisionada, além de uma música e poema de
Gil Scott-Heron, era o nome de um documentário sobre uma crise política na
Venezuela, a mesma que eu havia acompanhado pelo Jornal Nacional em 2002. Fui
assisti-lo... e percebi que banquei o idiota durante todos esses anos. Dancei
como um bobo da corte conforme a música que queriam que eu dançasse.
A Revolução Não Será Televisionada conta a história
da chegada de Hugo Chávez à presidência da Venezuela através de aclamação
popular nas urnas – meu cérebro já sofreu o primeiro baque nesse instante, como
é que um cara que é ditador é eleito democraticamente? – e que foi o primeiro
chefe de estado daquele país a dividir o dinheiro do petróleo com a população
mais humilde.
Peraí... Petróleo? A Venezuela tem petróleo?
Pois é, fiquei perplexo ao descobrir que, durante a
gestão de Chávez, a Venezuela tornou-se a maior reserva de petróleo do mundo
ultrapassando a Arábia Saudita. Mas como aquele homem que todos pareciam querer
ridicularizar fez algo tão grandioso? A resposta é simples. O interesse deles
era ridicularizá-lo exatamente por isso.
O documentário mostra que existia um pacto sujo
entre a elite local e os EUA para derrubar um governo popular que dividia a
riqueza do país com os mais humildes para assim os ricos poderem vendê-la aos
norte americanos e ficarem com o lucro para eles.
E a principal arma desse pacto era a mídia. É chocante
a naturalidade como as TVs venezuelanas transformaram algo legal em ilegal e
vice-versa, como manipularam imagens para enganar milhões de pessoas. Não
existe sequer um vestígio de ética no modo como tudo ocorreu. Transformaram o
sequestro de um presidente em algo rotineiro e a reação popular contra o abuso
e autoritarismo em radicalismo de fanáticos.
O que ninguém contava – além da revolta do povo que
conseguiu perceber o golpe – era que dois produtores da RTE, a TV estatal da
Irlanda, estivessem com Chávez fazendo uma gravação no momento em que tudo
começou e tenham se tornado testemunhas da história, furando o bloqueio
hipnótico sobre os “midiotas” com uma poderosa ferramenta de denúncia que
mostra passo a passo, do começo ao fim, como ocorreu o golpe na Venezuela e
suas razões.
Hugo Chávez não era ditador. Não foi tirado do poder
legalmente. E o povo que o recolocou no lugar que a Constituição lhe garantia
não era ignorante. Era consciente. Quem era ignorante era eu.
Lembrei disso recentemente, quando um líder popular
brasileiro foi levado ilegalmente para um aeroporto, um líder que também é
demonizado 24 horas por dia na televisão, o que causou uma reação imediata da
população que foi defende-lo do abuso de autoridade como se fosse com um
deles... tudo isso em meio a discussões em Brasília que visam entregar o
petróleo brasileiro nas mãos de corporações dos EUA.
Tudo está perigosamente parecido demais com A
Revolução Não Será Televisionada. Então, a não ser que você ache que a
televisão estatal da Irlanda está envolvida numa “conspiração comunista
bolivariana”, devia dar uma chance e conhecer essa produção.
Assista abaixo ao filme completo:
“Se
você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo
oprimidas e amar as que estão oprimindo”.
Malcolm X
Imagem 1: macondoresiste.worpress.com
Imagem 2: brasil247
Imagem 3: acnbrasil
Imagem 4: O Globo