15/03/16 - Coluna: Manifesto Preto Autor(a): Nyl de Sousa
E cá estamos nós: 2016, Brasil, Rio de Janeiro. Se aqui estamos é graças a uma mulher. “Ah, só tá falando isso por causa do mês de março’’, devem estar pensando. E eu digo que, se as mulheres são nosso ponto de partida para a existência e para o mundo. E, ainda assim, há toda uma construção nesse mesmo mundo que as joga para baixo ou para “atrás de um grande homem’’. Então a discussão não cabe só em um dia. Se a cor dessas mulheres for PRETA, a visão de “ser’’ humano ainda é recente. Só observar: o dia 8 de março foi instituído Dia Internacional da Mulher na Dinamarca, pela líder socialista alemã Clara Zetkin. Sem falar do mito em torno do incêndio da fábrica que teria ocorrido em 1857, ou seja, as mulheres negras ainda eram escravas no Brasil. Dona Sueli Carneiro já atentou sobre enegrecer o feminismo.
Nasci de um ventre teoricamente livre de uma mulher preta.
Teoricamente porque se ela quisesse abortar não teria alguma assistência na
rede pública de saúde e logo só haveria os métodos clandestinos. Lembrando que
o índice de aborto provocado entre as mulheres pretas (3,5%) é o dobro se
comparado às mulheres brancas (1,7%). Minha mãe veio do Maranhão ainda criança
para o Rio de Janeiro. Com 20 e poucos anos já tinha seu emprego. Já a vi
sustentar a casa sozinha, em uma época em que meu pai estava desempregado e eu
caçando o 1º emprego. Tempos difíceis, mas ela seguiu forte. Chegou a assumir
seus cachos na fase adulta-mãe, mas se mantém na escova hoje por achar que é o
melhor para o seu ambiente de trabalho. O natural é tido como o cabelo ruim pra
muita gente ainda.
E cabelo, sem dúvida é pauta de grandes discussões com outra
mulher que reside lá em casa: minha irmã. Dez anos mais nova que eu, porém, com
a mentalidade mais madura do que a minha quando tinha a mesma idade. Já se
enxerga e se posiciona com firmeza como preta empoderada. Bons reflexos dos
tempos atuais. Tá na construção de um coletivo negro na sua escola e já circula
em outros espaços que debatem as questões de gênero e raça. Muito orgulho dela
e de outras irmãs pretas da sua geração que têm se mobilizado e se fazendo
presente em diversos pontos da cidade. Inspiradoras! Trouxe exemplos de
mulheres que estão presentes na minha vida e no meu dia-a-dia pelo simples fato
de fazerem parte do grupo étnico de maioria no país. Maioria essa que se vê
muito mais nas prisões do que nos grandes cargos das maiores empresas. E isso é
ainda mais violento e brutal com as mulheres pretas.
Em tempo, no dia 8 de Março deste ano tive uma descoberta: o dia 2
de Março - Dia da Mulher Angolana. Uma data com uma história importantíssima e
que não tem a mesma visibilidade aqui. Lamentável para o país mais preto fora
do continente africano. O dia 2 de Março é um reconhecimento da contribuição da
mulher angolana para a luta e resistência contra a ocupação portuguesa. Da Raínha Nzinga Mbandi nos anos de 1600 até Deolinda Rodrigues em 1968, são mulheres pretas que
entregaram suas forças e suas vidas para a independência do país.
O combate ao
machismo e a sua desconstrução são práticas diárias que devem ser constantes e
passa por nós homens pretos, mesmo já sendo considerados “desconstruídos’’ ou “pra
frentex’’. Nos deseduquemos como a Dona Lauryn Hill e avancemos nessa luta,
lado a lado, dia após dia, sem roubar o protagonismo delas. Por mais oitos de
março que sejam de reflexão sobre as mulheres na nossa sociedade e por muito
mais destaque brasileiro para os próximos dois de março. Sem esquecer o
importantíssimo dia 25 de Julho. Existem outros para se dar flores.
Imagem 1: Fonte Breaking Brown
Imagem 2: Fonte Sueli/Arquivo pessoal
Imagem 3: M Bergamo