02/03/16 Coluna: Cultura Manifesta Autor: Israel Esteves
Tenho o prazer de voltar a escrever para vocês, amantes da cultura. Como toda semana é semana de Cultura Manifesta, nesta não podia ser diferente. Na cena desde 2007, convidei o produtor cultural, agente social e rapper, Nyl MC. O músico que deu seu recado semana passada sobre a Lei Rouanet, dessa vez volta, para mostrar seu trabalho e projetos em nosso espaço de cultura independente. Por isso, aquele pedido especial que faço, peguem um bom café, sentem em um ótimo sofá e confiram.
Quem é Nyl MC?
Certa vez ouvi que uma pessoa na verdade são três: o que os outros acham o que ela é, o que ela acha que é e o que ela realmente é. Daqui posso dizer que sou um cara tranquilo, na medida do possível, que encontrou na arte um canal pra se expressar, se libertar e se afirmar. Sabe aquele anseio de mostrar pro mundo, que tenta te silenciar e “invisibilizar”, que você existe, tem algo a dizer e deixar nessa terra? Tipo isso... Não acredito muito em predestinação, mas creio que não estamos nesse mundo à toa.
Conta um pouco mais sobre seu trabalho.
Sou MC, faço rap há nove anos. Comecei incentivado
pelos amigos que eu andava mais na época. Tava geral pilhando de cantar rap,
mas eu não me via fazendo isso, mesmo que já gostasse de escrever. Na mesma
época conheci um amigo chamado Fydell que já rimava e ele me ensinou bastante
sobre rap. Dai passei a fazer back vocal dele e depois me dediquei mais ao
grupo, BDO Mcs, que se encerrou em 2009. No ano seguinte iniciei meu corre solo
e pelas andanças conheci o Row G, que além de DJ é produtor musical e
executivo, Em 2013 ele me chamou pro selo #NovaBlack no qual estamos juntos até
hoje. Lancei um EP chamado “Escuta essa Parada” e em 2014 o CD Original da
Pista. Nesse mês tem single novo no ar!
Além da música, faço parte do coletivo Resistência
Cultural, que é basicamente a soma do Nyl MC e da banda Bala N'agulha em prol
da abertura de espaços e de uma política de cultura mais democrática.
Realizamos encontros multi-linguagens na Arena Dicró e na Lona de Vista Alegre,
agregando música, artes cênicas, dança e exposições com entrada grátis e até o
momento sem um grande patrocinador ou grana de edital, só apoio do comércio
local e construindo com a nossa rede mesmo. Não é nada fácil, mas vem dando
ótimos resultados e já potencializamos a carreira de alguns artistas da cena
independente. Muito gratificante contribuir para isso também.
Muita gente me inspira! Bnegão, Marcelo D2, MV Bill, Kamau e Nelson Maca são alguns. Procuro assimilar bastante coisa, de Kendrick Lamar ao A Tribe Called Quest. Sem deixar de ouvir Jorge Aragão e Gonzaguinha. Tenho ouvido muito Aláfia e Russo Passapusso também!
Teve participação no programa de nove anos de A Voz das Periferias, apresentado por MV Bill, ao lado de outros nomes da nova cena do rap. Como enxerga essa junção entre novas e as mais antigas gerações do rap?
Isso é essencial pra se ter um movimento na prática. Sem dúvida, ótima oportunidade de troca. Respeito é um dos grandes ensinamentos do Hip Hop e vai muito além de ganhar moral pelas suas habilidades. É mais sobre respeitar os outros. Saber chegar e saber sair pra poder voltar. Aprendo sempre nas conversas com os mais velhos e poder trocar ideia com alguém que é referência pra mim sempre será enriquecedor. E sendo mais novo posso contribuir de outra forma também.
Tratando de temas como mobilidade
urbana, sustentabilidade, entrou na lista “Os sete cantores que falaram sobre sustentabilidade
e você percebeu”, do site “Menos 1 Lixo ”, ao lado de grandes nomes como
Vanessa da Mata e Tom Jobim. Qual foi a sensação de ver seu nome nessa lista e
o que esses temas representam pra você?
Sempre bom ser lembrado, principalmente quando ouvem
o que você diz e conectam a temas tão importantes e que estão ligados
diretamente as nossas vidas. É uma das músicas que mais gosto do Original da
Pista e escrevi a partir da minha relação direta com a Avenida Brasil,
principal via da cidade do Rio. Foi bem natural, nunca foi pensado em ser ‘’a
música que vai falar sobre sustentabilidade’’. Isso é bom, porque reafirma o
quanto essas questões estão próximas da gente, nos afetam e precisam ser
debatidas para se construir novas possibilidades. O Rio de Janeiro tem uma
deficiência grande no transporte público e a sua principal lagoa é totalmente
poluída. Que cidade é essa que temos pras Olimpíadas? E qual cidade que vão nos
deixar de legado?
Já cantou com nomes que passaram aqui
pela Cultura Manifesta como El Toco e Caio Nunez. O que pode dizer sobre esses
duetos?
São pessoas maravilhosas! Talentosos e iluminados.
Sempre me receberam bem e fico feliz de poder fazer música com estes caras.
Acredito muito no Rap indo além do seu meio e sendo levado a outros lugares, a
outros ouvidos e se somando em outras vertentes. Sem dúvidas, vamos ouvir e
vê-los muito por ai. Logo menos terão
algumas parcerias com estes caras saindo nos trabalhos deles e no meu.
Com uma sociedade mais politicamente
correta, como acredita que isso se reflita no rap? Está mais fácil ou mais
difícil abordar temas que hoje são considerados mais delicados?
Acredito que o Rap sempre foi o incômodo do
moralismo e a forma de amplificar a voz dos que vivem a margem dos padrões da
sociedade. Hoje existem mais narrativas, sejam de pessoas da classe média ou de
homossexuais assumidos. Acho que a diversidade faz bem e é necessária. Só não
podemos esquecer que arte também é posicionamento, mesmo que inconscientemente.
E que o Hip Hop é uma cultura de matriz africana, sendo um desdobramento dos
Soundsystems, Soul, Funky, Jazz, Afrobeat e dos ritmos tribais.
Terá uma coluna com a gente, aqui na
Manifesto. O que espera dessa nova experiência?
Pouca gente sabe, mas cheguei a iniciar o
curso de Jornalismo, mas devido a contratempos da vida tive que trancar e não
conclui. Hoje estudo na ESPOCC - Escola Popular de Comunicação Crítica e tenho
aprendido muito sobre o conceito de Publicidade Afirmativa. Tenho resgatado o
hábito de escrever textos e espero contribuir para o site, trazendo minha
vivência pra cá, a partir das questões da população preta no Brasil e no mundo.
Será desafiador e uma grande responsa.
Hoje eu me vejo mais próximo do tipo de MC que
gostaria de ser. Então adicionaria mais
arte, cultura, comunicação, tambores, melodias, “flows” e quem sabe isso tudo
não venha com uma banda pra ser minha e tocar comigo?
O que gostaria de falar ao público?
Agradecer a cada um que vem fortalecendo e
acreditando nessa empreitada. Desde o início até aqui nesse momento. Que cada
um possa ser um elo nessa corrente para transformar a nossa realidade.
E aí pessoal, conhecer o Nyl ? Então, eu também curti! É ótimo ter mais uma vez a presença do rap nesse nosso espaço cultural. Bem, vamos chegando a mais um final de coluna. Eu sou Israel Esteves e lhes deixo mais uma Cultura Manifesta
.
Fotos: Jéssica Andrade, Letícia Barcelos, Lucas Sá